Press "Enter" to skip to content

Falta de força distintiva na estilização do sinal genérico Apotheke (farmácia) – AppOtheke -BPatG, Beschl. v. 9.2.2015 – 27 W (pat) 73/14

por Karin Grau-Kuntz

O caso

A Autora arguiu a nulidade do registro de marca nominativa “AppOtheke” da Ré, marca composta por uma forma estilizada da palavra Apotheke, que significa farmácia em alemão, e registrada em 29.03 de 2011 para as classes 9, 16, 20, 28, 35,38, 41 e 42. Para tanto a Ré alegou faltar ao sinal força distintiva originária necessária para ser empregado no mercado como marca. Por sua vez o DPMA, o órgão responsável pelos registros de marcas na Alemanha, decidiu, acompanhando o entendimento da Ré, pela nulidade do registro da marca, entendendo faltar, de fato, seja no momento do registro ou no momento em que a decisão foi proferida, força distintiva originária ao sinal, o que caracterizaria um obstáculo absoluto para a manutenção do registro.

Inconformada, a Ré apelou ao Bundespatentgericht – BpatG, requerendo a revisão da decisão proferida pelo DPMA.

Procedendo a um apanhado do quadro legal e jurisprudencial, o BPatG lembrou que de acordo com a Lei de Marcas alemã sinais sem força distintiva não são aptos a serem empregados como marca e, assim, seus registros são passiveis de anulação por requerimento de terceiros. Força distintiva, destacou, é a capacidade concreta inerente ao sinal para servir como meio de diferenciação dos produtos e/ou serviços de uma empresa em relação aos produtos e/ou serviços de seus concorrentes.

Partindo do pressuposto que a mera falta de caráter distintivo de um sinal justifica inferir um obstáculo à sua utilização como marca no mercado, o BPatG recordou a orientação desenvolvida pelos Tribunais, no sentido da aplicação de uma medida generosa de análise de sinais quanto ao caráter distintivo, de forma que a presença de qualquer traço distintivo já seria suficiente para superar o obstáculo vinculado ao seu registro como marca.

Seguindo esta linha de raciocínio o BPatG frisou ser determinante para a avaliação do caráter distintivo dos sinais a serem empregados como marcas no mercado a consideração, por um lado, dos produtos e serviços a ele vinculados e, por outro, da forma como o público relevante o percebe, lembrando que o conceito de público relevante reporta ao consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento. Um sinal não será assim dotado de força distintiva quando o público relevante entendê-lo como um conceito descritivo, ou quando for composto por palavras ou expressões usuais da língua alemã ou de uma língua estrangeira que, por exemplo, em razão de seu uso comum em propaganda e meios de comunicação são percebidas como vocábulos genéricos, comuns e não capazes de cumprir com uma função distintiva no mercado específico.

Isto posto o BPatG passou à análise do vocábulo Apotheke. A origem da palavra, lembrou, é encontrada na língua grega, correspondendo em latim a apotheca, significando um local de armazenagem de provisões ou, de forma mais simples, um armazém. A palavra ainda foi usada para designar o local nas casas gregas onde os vinhos eram armazenados em ânforas e, mais tarde, reportando ao espaço nos mosteiros destinados ao armazenamento de ervas medicinais. Atualmente a palavra é empregada para designar o local onde são vendidos medicamentos e produtos típicos deste tipo de comércio, onde fórmulas são manipuladas e onde um profissional qualificado aconselha o consumidor no que toca efeitos colaterais de medicamentos etc.

O sentido do sinal Apotheke é, assim e no que tange os produtos e serviços indicados no registro da marca, comum ou genérico, indicando ao consumidor que os produtos e serviços em questão têm origem ou são prestados, ou ainda que são destinados, em ou a um Apotheke (farmácia).

O BpatG passou então a considerar a forma estilizada da palavra Apotheke, como oferecida ao registro pela Ré. Na contramão do entendimento defendido por esta última, não entendeu ser a estilização da palavra suficiente para que o público relevante a considerasse de forma distinta ao seu sentido genérico como farmácia, pois a grafia estilizada da palavra com duas letras “p”, bem como a letra “o” maiúscula, não seria marcante o suficiente. Considerando que do ponto de vista sonoro a marca não se deixa diferenciar da palavra, é de se presumir que o consumidor não perceba as diferenças estilizadas na palavra ou que, caso as perceba, que presuma um mero erro ortográfico.

Especificamente, a estilização de palavras genéricas deve necessariamente apontar a um resultado dotado de caráter individual próprio para que o registro não acabe obstaculizado por deficiência de caráter distintivo.

No que toca a repetição da letra “p” no contexto do sinal em questão, entendeu que sua duplicação passaria despercebida pelo consumidor, ou quando muito seria percebida como um erro ortográfico. Isso especialmente porque a repetição da letra não é capaz de alterar a aparência da palavra Apotheke, restando despercebida ao consumidor, o que é reforçado pelo fato da palavra ser composta por oito letras (nove com a duplicação da letra ”p”), ou seja, da palavra ser longa. Também no que toca a perspectiva fonética a duplicação da letra em nada acrescenta ao aspecto comum do vocábulo. Para comprovar esses argumentos o Tribunal reportou à argumentação do DPMA apresentada na motivação de sua decisão de anular o registro da marca em lide, no sentido que muitos comerciantes de medicamentos online vinculam sua páginas eletrônicas a critérios de busca exprimidos pelo palavras Apotheke com um e com dois “p”, posto o equívoco na grafia ser comum aos usuários.

Tendo em conta a defesa da Ré, que sustentou que o público relevante entenderia as letras “app” como a abreviação de “application”, o BpatG contra-argumentou afirmando que, mesmo que assim o fosse, o que frente a argumentação até então apresentada parecia duvidável, tal fato provavelmente não justificaria qualquer razão de proteção, posto que a palavra “app” não ser capaz de gerar um duplo sentido que emprestasse à palavra assim estilizada um caracter original, modificando o seu sentido comum.

Por fim, ao considerar a jurisprudência invocada pelas partes envolvidas na lide, tratou de esclarecer que a questão da força distintiva “originária” de um sinal não está acoplada à sua utilização, isto é, ou o sinal é considerado genérico em relação a certo produtos e/ou serviços ou não o é. No que toca a função da marca, esta sim está vinculada à sua utilização, ou seja, a marca só servirá como sinal identificador quando utilizada para a identificação de produtos e/ou serviços no mercado. A utilização da marca, por sua vez, gera efeitos que afetam o grau de força distintiva da marca.

A depender da intensidade de sua utilização – por exemplo duração e extensão da utilização – seu caráter distintivo poderá ser reforçado. A forma de uso da marca só ganha relevância quando o tema em discussão gerar em torno de sua força distintiva vinculada a um risco de confusão com outros sinais no mercado. Nestes casos deverá naturalmente ser considerada a forma do registro da marca, bem como outras formas de apresentação possíveis.

Em outras palavras, em casos que envolvam a violação de uma marca será verificado frente ao caso concreto se o sinal utilizado fere ou não fere os direitos da marca anteriormente registrada, verificando-se, neste passo, as diferenças nas grafias entre os sinais (letras maiúscula, tipo de letra etc). Mas, destacou o Tribunal, este procedimento em nada toca o tema da anulação de um registro em razão de falta de caráter originário da marca.

Isto esclarecido o Tribunal entendeu por manter a decisão do DPMA de anulação do registro da marca AppOtheke.


Comentário

Os sinais de caráter genérico ou comum não são – seja no direito brasileiro ou alemão – passíveis de registro como marca. A razão que justifica essa proibição é simples: a possibilidade de reserva de um direito exclusivo nessa hipótese implicaria em uma grande desvantagem aos concorrentes do titular do registro, que não poderiam vincular seus produtos e atividades ao vocábulo genérico (por exemplo, o vocábulo farmácia para produtos farmacêuticos, cosméticos, entre outros). Se o direito de marcas garante ao titular de um registro direitos exclusivos em relação ao sinal, a razão da proteção não será encontrada na exclusividade em si considerada, mas antes na ideia (e desejo) de um bom funcionamento de mercados regidos pela concorrência.

Destaca-se ainda não estar a proibição de registro de sinais genéricos calcada no fato desses sinais já “pertencerem” a alguém, isto é, ao público em geral (fala-se aqui em domínio público), mas antes e simplesmente porque esses sinais, enquanto genéricos, não são passíveis de exclusividade. Sob uma perspectiva teórica (e em alguns aspectos também sob uma perspectiva prática) há grande diferença entre vincular os sinais genéricos ao domínio de alguém – i.e. do público – negando a possibilidade de registro em razão de um direito anterior, ou entender não serem eles registráveis por serem livres.

Lançando vistas às peculiaridades do sistema de registro alemão, nota-se o seguinte: na Alemanha o processo de registro é iniciado com o requerimento de registro junto ao órgão nacional responsável pelos registros de marcas – o DPMA – e com o pagamento da taxa respectiva. A seguir o DPMA procede um exame formal do pedido, que engloba também a análise da presença de obstáculos absolutos ao registro e, verificado o cumprimento das exigências necessárias, a marca é registrada e publicada. A partir deste momento, isto é do registro da marca, começa então a correr um prazo para apresentação de oposições ou para terceiros arguirem a nulidade da marca.

Outra peculiaridade está no fato da prática de apostila (disclaimer) não ser corrente no direito alemão. Nesse sentido não foi cogitada no caso em comento a hipótese de garantia de proteção apenas em relação à estilização dos elementos do sinal, deixando sem proteção o vocábulo genérico em si considerado.

Isto posto é então interessante notar a argumentação adotada pelo BpatG.

Como já mencionado, o sinal genérico estilizado só poderá ser registrado como marca na Alemanha se a estilização dos elementos que o formam apontar a um resultado dotado de caráter individual próprio.

Como critério para a determinação da presença deste caráter individual próprio, a jurisprudência anterior determinou que, se o público reconhecer de forma consciente e sem qualquer dificuldade por trás da estilização dos elementos o conceito comum ou genérico (no caso em tela a palavra Apotheke), então a estilização, em si considerada, não será dotada de caráter individual próprio . Ainda com mais razão pode-se afirmar que o mesmo ocorrerá quando o público relevante não for capaz de perceber as alterações no sinal genérico, ou tender a ver nelas um erro ortográfico ou, ainda, um equívoco auditivo .

Exatamente por esta linha seguiu o entendimento do BpatG quanto à grafia do sinal proposto a registro “AppOtheke”, no sentido de que a repetição da letra “p” seria compreendida pelo público relevante como um erro ortográfico.

Ainda e no que toca as variações alcançadas pela composição de duas ou mais palavras genéricas (por exemplo antiKALK ), por separação de sílabas (por exemplo Vita-Min) ou pelo emprego de letras maiúsculas e ou repetição de letras (por exemplo TOOOOR! ), também elas não serão geralmente consideradas como suficientes para emprestar ao vocábulo um caráter individual próprio que justifique o registro como marca.

Outro é o caso quando um destaque nas letras é capaz de transformar o sentido do vocábulo genérico. Por exemplo, o nome da cidade alemã Freising ganha uma outra conotação quando a letra “S” da palavra ganha destaque – FreiSing; o público alemão vê na palavra, em primeira linha, a combinação de duas palavras independentes, quais sejam frei e sing(en), entendendo o signo como canto livre.


Karin Grau-Kuntz é doutora e mestre em Direito pela Ludwig-Maximillians-Universität (LMU),  Munique, Alemanha.


ISSN 2509-5692

Print Friendly, PDF & Email
Copyright: ip-iurisdictio (2022)