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Propriedade intelectual internacional e a ação direta de inconstitucionalidade 5.529/DF

[Walter Godoy dos Santos Junior; Ericksson Gavazza Marques; Eduardo Barreto Cezar]

Resumo: O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.529/DF pelo Supremo Tribunal Federal, que abarcou importante tema relativo Direito Empresarial —o prazo de vigência das patentes —, reacendeu a necessidade de se reavivar os conceitos pertinentes a esse instituto, principalmente sob a ótica de sua evolução histórica no plano internacional, bem como a inevitabilidade de se investigar os reflexos havidos em virtude da referida decisão proferida pelo Plenário do STF.

 Absract: The Direct Action of Inconstitutionality 5.529/DF ruling  by the  Supreme Court, which adressed an important issue related to Business Law — the patent length expiration date —, has rekindled the need to revive the concepts related to this institute, especially from the standpoint of its historical evolution at the international level, as well as the inevitability of investigating the consequences of the decision rendered by the Plenary of the STF.

 Palavras-chave: Propriedade Intelectual. Patentes. Supremo Tribunal Federal.

1. Introdução

No mês de maio de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.529/DF, da relatoria do Ministro Dias Toffoli.

Com efeito, o Plenário reputou inconstitucional o parágrafo único[1] do art. 40 da Lei 9.279/1996, também conhecida como Lei de Propriedade Industrial (LPI), que prorrogava a vigência de patentes no País. Em seguida, estabeleceu uma modulação de efeitos em razão do disposto no art. 27[2] do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS).

Na referida ADI, o então Procurador-Geral da República (PGR), Rodrigo Janot Monteiro de Barros, alegou ofensa aos arts. 5º, caput, XXXII e LXXVIII; 37, caput e § 6º; e 170, IV e V, da Constituição Federal.

Nesse sentido, o Ministério Público Federal sustentou que a regra prevista no referido dispositivo legal seria inconstitucional, pois acarretaria a indeterminação no prazo de vigência das patentes.

Assim, aduziu que, no caso, a demora na análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) de pedidos de registro de patentes resultaria na extensão do prazo de exploração exclusiva para além de 20 anos.

O PGR ainda argumentou que, embora relevante para o desenvolvimento tecnológico do País, o sistema de privilégio de exploração da propriedade industrial poderia estar sendo utilizado como um instrumento de reserva de mercado, pelo que suscitaria, no caso, a incidência do princípio da função social da propriedade.

Destacou, ademais, a inobservância da previsibilidade e da estabilidade necessárias ao mercado, ao afirmar que o ato impugnado comprometeria a realização de investimentos e o desenvolvimento tecnológico e científico no País, bem como prejudicaria o consumidor, que estaria condicionado à qualidade e ao preço impostos pelo titular da patente por tempo indeterminado.

Desse modo, acrescentou que o dispositivo provocaria a transferência para a sociedade do ônus causado pela demora na apreciação dos pedidos de patentes pelo INPI, em contrariedade ao que estabelece o art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

Ao final, ponderou que teria havido afronta direta ao princípio da isonomia, pois, no seu entender, agentes econômicos em situações idênticas receberiam tratamentos diversos, conforme a duração dos respectivos trâmites administrativos. Além disso, seriam violados os princípios da eficiência e da duração razoável do processo, com o consequente estímulo ao prolongamento do procedimento de exame do pedido de patente.

Destaque-se, neste momento, apenas por oportuno, que a norma inscrita no parágrafo impugnado vigia desde 1996, e a ação direta foi proposta, como visto, no ano de 2016. Somente em 8/5/2021, o Ministro Dias Toffoli, Relator do caso por sucessão, em alentada decisão, reconheceu e deferiu medida cautelar para suspender a vigência do repisado dispositivo.

Um dos fundamentos desse decisum ad referendum tem alicerce justamente na

“auditoria do TCU, que resultou no Acórdão nº 1.199/2020, [no qual se] constata que, em decorrência da regra do parágrafo único do art. 40, as patentes de produtos farmacêuticos duram em média 23 anos, podendo chegar a prazo de vigência de 29 anos ou mais. Por conseguinte, constatou o acórdão do TCU que, quanto maior o prazo de exclusividade usufruído pelo titular da patente, mais será onerado o poder público, considerando a necessidade de aquisição de medicamentos em larga escala para execução de políticas públicas em saúde (doc. 124, p. 74). Os prejuízos financeiros decorrentes de períodos tão longos de monopólio foram estimados pela auditoria em cerca de R$ 1 bilhão.”

Frise-se que, embora o Relator tenha justificado, no decisum precário, que houve pedido superveniente da Procuradoria-Geral da República para o deferimento da cautelar em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, não parece razoável concluir que o STF agiu com celeridade na causa.

Sobreleve-se, para essa conclusão, o contundente argumento trazido pelo próprio Relator quanto aos custos causados ao erário, acrescidos do período decorrido desde a propositura da ação direta. Ainda que se concorde com a urgência da ocasião, não há que se concluir que a questão seria irrelevante no passado.

Portanto, considerada a importância desse julgamento não apenas para o sistema da propriedade intelectual, mas para o direito empresarial, contextualizado na atual quadra pandêmica pela qual passam os países do globo, deve-se perquirir como se deu a evolução da propriedade intelectual no plano internacional, bem como analisar os seus reflexos no principal julgamento da história do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.

2. A evolução da propriedade intelectual no âmbito internacional

É da gênese do sistema de proteção ao esforço intelectual humano a concepção de que a criação artística proporcionará efeitos na mente e nos sentidos — direitos autorais —, enquanto a criação industrial produzirá alterações no mundo material — propriedade industrial. A lógica dessa divisão reside precisamente nos efeitos das criações sobre o mundo fenomênico ou sobre o próprio homem, considerados os seus sentidos e as suas emoções[3].

Assim, Newton Silveira (2014, p. 52) destaca, em paráfrase, que os privilégios industriais e os desenhos e modelos de fábrica são criações no domínio do útil, encaminhadas à solução de problemas de utilidade, ao aumento dos bens econômicos, ao passo que as obras literárias e artísticas são concepções no terreno do belo; e as obras científicas, no terreno do verdadeiro.

A esse respeito, o referido autor ensina-nos que “a contraposição entre as criações no campo da técnica e no campo da estética possui um denominador comum no fato de ambas constituírem criações intelectuais”.

Essa divisão conceitual está na origem de dois importantíssimos tratados internacionais. Com efeito, em 1873, iniciaram-se em Viena os trabalhos preparatórios da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial ou, simplesmente, Convenção da União de Paris, cujo escopo era a proteção de direitos ligados à criação industrial (marcas, patentes, desenhos industriais, nome empresarial, entre outros institutos abarcados pela propriedade industrial). O Brasil, diga-se, esteve entre os primeiros a assinar a referida Convenção em 1883.[4]

Por outro lado, para a proteção dos direitos autorais — propriedade literária, artística e científica —, foi concebida a Convenção de Berna de 1886, fruto dos trabalhos que resultaram na Association Littéraire et Artistique Internationale de 1878, criada por insistência do escritor francês Victor Hugo.[5]

Posteriormente, a Convenções de Berna e a de Paris passaram a ser administradas pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI, WIPO em inglês), constituída também por uma Convenção firmada por diversas nações no ano de 1967, após o fim da Segunda Guerra Mundial, e modificada em 1979.

A OMPI, por sua vez, foi incorporada como órgão das Nações Unidas em 1974 e tem sede em Genebra, na Suíça. Deve-se ressaltar que, no ano de 2009, a organização abriu escritório no Brasil com o objetivo de apoiar a implementação de projetos e atividades de propriedade intelectual no Brasil.

Do ponto de vista da doutrina, a importância desse tratado está na inovação proporcionada pelo disposto no seu art. 2º, VIII, na medida em que unifica os escritórios internacionais que administravam as Convenções de Paris e de Berna e reúne os conceitos de propriedade industrial e de direito de autor ao definir como propriedade intelectual

“a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, as interpretações dos artistas intérpretes e as execuções de radiodifusão, as invenções em todos os domínios da atividade humana, as descobertas científicas, os desenhos e modelos industriais, as marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como as firmas comerciais e denominações comerciais, a proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.”

Note-se, assim, que a OMPI não apenas ofereceu ao mundo um conceito único para as criações da mente, na feliz expressão de Norberto Bobbio, mas também passou a ser responsável pela administração, no plano mundial, do sistema da propriedade intelectual, conferindo, portanto, uniformidade de tratamento às criações intelectuais e uma certa padronização das legislações internas sobre o tema.[6]

Seguindo na linha do tempo, mais recentemente, chega-se ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, denominado TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), que foi o resultado de uma longa negociação entre países no âmbito do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, denominado GAAT (General Agreement on Tariffs and Trade).

Em verdade, o TRIPS é um anexo do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC), também conhecido como “Ata Final da Rodada do Uruguai”[7], de maneira que todos os países que compõem a OMC passaram também a adotar como requisito da prática comercial internacional uma padronização de proteção aos direitos de propriedade intelectual, sustentando patamares mínimos de proteção no plano das legislações internas.

Essa justificativa é expressa na declaração de exposição de motivos que levaram os membros a firmarem o TRIPS, verbis:

“Desejando reduzir distorções e obstáculos ao comércio internacional e levando em consideração a necessidade de promover uma proteção eficaz e adequada dos direitos de propriedade intelectual e assegurar que as medidas e procedimentos destinados a fazê-los respeitar não se tornem, por sua vez, obstáculos ao comércio legítimo.”

Atualmente, a seguinte figura representa os mais importantes tratados internacionais sobre propriedade intelectual:

Figura 1 —Tratados internacionais mais importantes sobre propriedade intelectual

Fonte: Elaborada pelos autores

Nesse diapasão, cumpre salientar que as Convenções de Paris e de Berna consolidam, no plano internacional, normas que disciplinam relações entre particulares, instituindo uma verdadeira federação[8] de países unidos por um direito comum. Esse direito regula, no plano jurídico interno de cada Estado-Membro, as relações jurídicas travadas entre os seus nacionais, conceito que, para efeitos das referidas Convenções, abarca todos os cidadãos dos Estados-Membros.

Já o TRIPS, fruto de intensa pressão dos países desenvolvidos e, sobretudo, da indústria farmacêutica, avançou sobre a soberania dos países em desenvolvimento[9], estabelecendo normas cogentes a serem compulsoriamente observadas pelos signatários como padrão mínimo de proteção da propriedade intelectual, sob pena de aplicação de sanções comerciais impostas pela Organização Mundial do Comércio.

Por meio desse mecanismo, uma violação de patente norte-americana no Brasil pode dar ensejo a retaliações dos Estados Unidos, por exemplo, na importação de carne ou de suco de laranja produzidos no Brasil.

Da mesma maneira, o Brasil poderia impor, legitimamente, barreiras a produtos norte-americanos em caso de concessão de benefícios indevidos por aquele Estado a determinado ramo de atividade em prejuízo aos produtos brasileiros.

A respeito da uniformização e da imposição das normas do TRIPS no plano internacional, Cláudio Roberto Barbosa (2001, p. 152) ressalta que,

“na verdade, a harmonização já havia começado com os padrões mínimos das Convenções de Paris e Berna [, que,] em anos recentes, com a necessidade crescente do comércio e da “tecnologia” internacional, juntamente com a transformação do valor agregado, uma padronização maior foi sendo exigida, culminando com a aprovação do “Agreement on Trade-Related Intellectual Property Rights” – TRIPS ao final da Rodada Uruguai do GATT. [Nesse sentido, aduz que] o TRIPS estabeleceu não só padrões mínimos de proteção, mas também a possibilidade de execução dos direitos ali designados através de sanções comerciais, permitindo que o Estado-Membro use o Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC para este fim, o que não era permitido pelos outros tratados relativos à propriedade intelectual.”

É o que se pode extrair também das conclusões do voto do Ministro Dias Toffoli na ADI 5.529/DF:

“O acordo internacional estabelece um patamar mínimo de proteção à propriedade industrial a ser adotado por cada Estado-parte, no intuito declarado de “reduzir distorções e obstáculos ao comércio internacional”, [com atenção à] necessidade de promover uma proteção eficaz e adequada dos direitos de propriedade intelectual e assegurar que as medidas e procedimentos destinados a fazê-los respeitar não se tornem, por sua vez, obstáculos ao comércio legítimo […]. Os países membros comprometeram-se a adaptar suas legislações nacionais aos termos do TRIPS, o que, no caso do Brasil, ocorreu por meio da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.”

Constata-se, assim, que a propriedade intelectual, fruto das transformações sociais e econômicas decorrentes da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, tornou-se internacional, não somente em razão do histórico da evolução da matéria e de sua expansão pelo mundo por meio de tratados, convenções e acordos internacionais[10], mas também porque estabeleceu, ao longo dos anos, por força do desenvolvimento do comércio internacional, profunda identidade com o direito internacional.[11]

De fato, é inegável que o aparecimento das convenções sobre propriedade intelectual, o desenvolvimento da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, com o posterior surgimento da Organização Mundial do Comércio, foram elementos facilitadores da promoção, da expansão e da unificação desses direitos pelo mundo.

Nesse sentido, talvez a propriedade intelectual seja um dos únicos ramos do direito a permitir que advogados, brasileiros e estrangeiros, possam atuar com desembaraço nos 192 países membros da OMPI ou nos 164 membros da OMC.

De todo modo, é imperioso refletir sobre os efeitos da evolução internacional descrita anteriormente em relação ao Brasil[12], principalmente no tocante ao Acordo TRIPS, tanto no campo da propriedade industrial[13] como no que se refere ao direito do autor[14], para que se possa efetivamente cumprir o ideal do legislador constitucional brasileiro de promover o interesse social e o desenvolvimento cultural, tecnológico e econômico do País[15].

Nesse sentido, adverte Ruth Okediji (2003, p. 315-385) que, até o formal encerramento da descolonização, a propriedade intelectual constituía um meio explícito para assegurar territórios e mercados nas colônias europeias. Após esse período, gradualmente, a propriedade intelectual passou a ser uma maneira de os países europeus controlarem a competição advinda de suas antigas colônias, na medida em que tais direitos globais passaram a ser uma característica entrincheirada das relações econômicas mundiais.

Ressalta, ainda, a mencionada autora que, dado o imenso esforço político e econômico empregado na rodada de negociações do Uruguai, alguns doutrinadores apontam que o TRIPS foi o apogeu do terceiro multilateralismo promovido pela propriedade intelectual[16] e que esse acordo despertou a atenção do público global sobre os efeitos no bem-estar social dos países em desenvolvimento decorrentes da proteção da propriedade intelectual.

Nesse diapasão, vide a advertência de Martin Chanock (apud OKEDIJI, 2003), no sentido de que as leis sempre foram um atalho do colonialismo, um instrumento de poder do colonizador e parte de um processo de coação. Ainda, foram elas também uma nova forma de conceber relações de poder e uma arma contra as comunidades africanas que estavam em processo de mudanças básicas nas suas economias.

Na mesma direção está o diagnóstico de Pedro Marcos Nunes Barbosa (2013, p. 31), para quem “na propriedade intelectual, ramo jurídico extremamente internacionalizado, poucos espaços sobraram para a constituição e adaptação do direito à realidade local”. Nesse sentido, ressalta que o rigorismo assoberbado proveniente dos tratados internacionais (como a Convenção União de Paris e o acordo TRIPS), para com os institutos que flexibilizam o direito do proprietário, acabou por aprisionar a possibilidade concreta na delimitação e condução dos poderes do titular.

Diante desse cenário, deve-se indagar quais interesses sociais não podem ser desconsiderados para a proteção da propriedade intelectual, a fim de que não se torne uma ferramenta de opressão para os países em desenvolvimento.

3. A aplicação do TRIPS no contexto da ADI 5.529/DF

Inicialmente, é imprescindível reproduzir a premissa estabelecida pelo Ministro Dias Toffoli no brilhante voto proferido na ADI 5.529/DF, verbis:

“Destaco que o acordo facultava aos países em desenvolvimento o direito de postergar a adoção de medidas de adequação ao documento pelo prazo de 4 anos. Ainda, no caso de setores tecnológicos anteriormente não contemplados pela proteção patentária, como era o caso dos fármacos no Brasil, teria o país o prazo adicional de 5 anos para que o acordo se tornasse obrigatório. No entanto, o Brasil antecipou-se a esses prazos, tendo renunciado ao período de transição.”

Ora, até a assinatura do TRIPS e a consequente edição da Lei 9.279/1996, não havia no Brasil a possibilidade de se conceder patentes para produtos farmacêuticos. Mais: havia uma faculdade expressa para que países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, prorrogassem a aplicação dos dispositivos do TRIPS com relação aos produtos da indústria farmacêutica.

Como é de conhecimento geral, a Índia utilizou a prerrogativa e conta hoje com um dos parques industriais mais avançados do mundo na indústria farmacêutica, colocando-se, ao lado da China, entre os países exportadores de insumos para a produção de diversos medicamentos e também de vacinas, até mesmo para o Brasil, que não apenas ignorou a imunidade conferida pelo TRIPS, como também conferiu a prerrogativa de extensão de proteção de patentes de medicamentos objeto da ADI 5.529/DF.

No ponto, destaque-se a lúcida manifestação do Ministro Dias Toffoli sobre causa e consequência da querela instalada na referida ação:

“[…] desde a instituição da Lei nº 9.279/1996, a qual, para se adequar ao Acordo TRIPS, tornou patenteáveis determinados produtos antes não sujeitos à exploração exclusiva (como os fármacos). Internalizado o acordo e editada a Lei nº 9.279/1996 sem que fosse utilizado o prazo de transição conferido aos países em desenvolvimento, a autarquia federal não estava devidamente equipada para receber a carga adicional de novos produtos registrados, o que gerou um grande passivo de pedidos. Pretendia-se com o parágrafo único do art. 40 que, mesmo em caso de demora na apreciação, fosse garantido ao requerente o prazo suficiente para auferir as vantagens da exploração exclusiva do invento, por meio de uma extensão do prazo do caput.”

Com efeito, o art. 33 do TRIPS estabelece que a vigência da patente não será inferior ao prazo de 20 anos, contados a partir da data do depósito, assegurando, no mínimo, 20 anos de vigência da patente desde o depósito.

No entanto, novamente o Ministro Relator adverte que:

“A lógica do Acordo TRIPS é que o mero depósito do pedido de patente já gera uma presunção em favor do requerente. E isso se encontra devidamente garantido no caput do art. 40 da nossa Lei de Propriedade Industrial. […] Portanto, o prazo adicional a partir da concessão conferido pelo parágrafo único do art. 40 não deriva do Acordo TRIPS. O parágrafo único é, assim, norma do tipo TRIPS-Plus, ou seja, ela vai além do prazo de proteção exigido pelo Acordo TRIPS, o qual, reitero, se limita a estabelecer o prazo mínimo de 20 anos para a vigência da patente, contados a partir do depósito. Ademais, o Brasil não é signatário de nenhum tratado que exija essa prorrogação. Desse modo, eventual declaração de inconstitucionalidade da norma questionada não terá, como consequência, o descumprimento de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. A manutenção tão somente do art. 40, caput, c/c o art. 44 da lei, atende perfeitamente o Acordo TRIPS, por garantir a vigência da patente por 20 anos a partir do depósito, com a possibilidade de indenização retroativa pela exploração indevida do objeto no período anterior à concessão do privilégio.”

De fato, o próprio TRIPS estabelece, no seu art. 1, que os Membros poderão, mas não estarão obrigados a prover, em sua legislação, proteção mais ampla que a exigida no Acordo, desde que tal proteção não contrarie as suas disposições, bem como que os Membros determinarão livremente a forma apropriada de implementar as disposições desse Acordo no âmbito de seus respectivos sistema e prática jurídicos.

No mérito, os efeitos nocivos do parágrafo único do art. 40 foram sintetizados pelo Ministro Eros Grau, em parecer acostados aos autos da ADI 5.529/DF, nos seguintes termos:

“(i) prolonga, injustificadamente, o privilégio de exploração exclusiva de produtos e processos industriais, em prejuízo de quantos possam concorrer como titulares da patente e, ainda, dos consumidores, beneficiários da livre concorrência nos mercados; (ii) impede que virtuais concorrentes do depositante do pedido de patente tenham conhecimento da data a partir da qual poderão explorar economicamente os produtos ou processos objeto da patente, o que compromete calculabilidade e previsibilidade indispensáveis à atuação dos agentes econômicos no mercado, vale dizer, certeza e segurança jurídica; e (iii) permite, viabiliza, incita comportamentos adversos à livre concorrência da parte de depositantes de pedidos de patente, comportamentos voltados, tanto quanto isso se torne possível, ao retardamento do processo de exame do pedido de patente conduzido pelo Poder Executivo; quanto mais lento for esse exame, mais extenso será o privilégio de utilização exclusiva dos produtos e processos patenteados.”

Seguindo esse entendimento, assim como outras lições extraídas do direito comparado em que não se encontra dispositivo semelhante, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, conheceu da ação direta e julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/1996, nos termos do voto do Relator.

Na sequência, foi apresentada uma proposta de modulação dos efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/1999, momento em que, novamente, veio à baila um dos dispositivos do TRIPS, justamente em razão da diferenciação proposta pelo Relator em relação às patentes da área farmacêutica.

De fato, o art. 27 do TRIPS determina que haja isonomia na proteção patentária, sem distinção entre campos tecnológicos e origem da invenção, verbis:

ARTIGO 27

Matéria Patenteável

1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3 deste Artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

2. Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que a exploração é proibida por sua legislação.

3. Os Membros também podem considerar como não patenteáveis: a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais; b) plantas e animais, exceto micro-organismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não biológicos e microbiológicos.

Não obstante, os Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma combinação de ambos.

O disposto neste subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.

Contudo, tal como ressaltado pelo Relator, esse dispositivo tem âmbito específico de aplicação, qual seja, o dos requisitos de patenteabilidade de uma invenção, o que decorre da interpretação sistemática do Acordo TRIPS.

Nesse sentido, o Relator trouxe à colação trecho da obra do saudoso Denis Borges Barbosa (2003, p. 230), um dos nossos maiores expoentes na área de propriedade intelectual, nos seguintes termos:

“A cláusula em questão se insere em um artigo cujo título e matéria efetiva é “Patentable Subject Matter”. Ou seja, aquilo que pode ser objeto de um pedido de patente. Parece razoável assim o entendimento de que, em princípio, as disposições do Art. 27 se voltam aos requisitos de patenteabilidade, ou seja, aos pressupostos da concessão da patente.

As regras relativas ao conteúdo dos direitos, prazo e limitações eventuais, enfim, todas as questões relativas às vicissitudes da patente após sua concessão são tratadas em disposições específicas.

No entanto, o Art. 27 menciona que “patents shall be available and patent rights enjoyable (…).” Literalmente, menciona-se o exercício do direito, e não só os pré-requisitos de sua concessão. Mas, para emprestar alguma sistematicidade ao texto, torna-se necessário interpretar que os pressupostos de exercício a que se refere o Art. 27 sejam incondicionais e intrínsecos à dos direitos.

Com efeito, uma patente, já desde sua nascença, existe sob certas limitações de exercício. Que só possa valer no país que a concede, é um dos pressupostos do direito. Que só vija por, no máximo, tantos ou quantos anos, é outro pressuposto incondicional e intrínseco. Que não seja oponível aos outros eventuais inventores que não tenham pedido proteção, pode ser outro requisito imposto pela lei nacional, sempre como limite intrínseco e incondicional ao exercício do Direito.

A coerência de um texto tão precisamente redigido, como o do TRIPS, exige que se trate, neste artigo, exclusivamente dos pressupostos de obtenção e dos pressupostos de exercício da futura patente. Ou seja, o Art. 27 deve ser lido de forma a impor que, ao momento em que a patente seja concedida, não exista, nesta origem, nenhuma diferença quanto aos três elementos que menciona. Por exemplo, no tocante ao campo de tecnologia, o Art. 27 proíbe que se conceda patente de medicamentos só oponível contra produtos importados.

Quanto ao local de invenção, veda que se neguem patentes se a invenção for realizada em certo território (por exemplo, na África do Sul), ou se restrinja o exercício apenas às invenções concebidas em determinada área (por exemplo, o MERCOSUL).

Mas fugiria à sistemática do Acordo entender-se que o Art. 27 se refira ao uso efetivo, que é não pressuposto intrínseco e incondicional, mas condição de manutenção do direito, dependente para sua implementação de atos posteriores e eventuais do titular da patente ou de terceiros.”

Dessa maneira, o Ministro Dias Toffoli entendeu que a vedação prevista no art. 27 do TRIPS se refere apenas à dimensão da patenteabilidade da invenção, e não aos desdobramentos da concessão da patente, como na hipótese analisada pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesse diapasão, sublinhou o seguinte:

“Nesse quadro, não surpreende o fato de inúmeras jurisdições, citadas em meu voto, concederem tratamento diferenciado às patentes farmacêuticas no que tange aos períodos de vigência, seja para possibilitar mecanismos de extensão da exploração exclusiva, seja para vedar qualquer instrumento dessa natureza, como ocorre na Colômbia e no Peru, em que essa vedação decorre do reconhecimento, no âmbito da Comunidade Andina, da existência de correlação entre a ampla concorrência e o acesso a medicamentos em países em desenvolvimento.”

Por tais razões, o Tribunal acolheu a proposta de modulação dos efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI, conferindo a ela efeitos ex nunc, ou mais precisamente, a partir da publicação da ata do julgamento, de forma a manter as extensões de prazo concedidas com base no preceito legal, preservando-se, assim, a validade das patentes já concedidas e ainda vigentes em decorrência do aludido preceito.

Com efeito, ficaram ressalvadas da modulação (i) as ações judiciais propostas até o dia 7 de abril de 2021, inclusive (data da concessão parcial da medida cautelar no presente processo); e (ii) as patentes que tenham sido concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e materiais de uso em saúde.

Em ambas as situações operou-se o efeito ex tunc, o que resultou na perda das extensões de prazo concedidas com fundamento no parágrafo único do art. 40 da LPI, respeitado o prazo de vigência da patente estabelecido no caput do art. 40 da Lei 9.279/1996, ou seja, 20 anos, e resguardados eventuais efeitos concretos já produzidos em decorrência da extensão de prazo das referidas patentes.

4. Conclusão

 Note-se, assim, que a interpretação do Relator aos dispositivos do TRIPS foi fundamental para a conclusão do julgamento e também para a modulação dos seus efeitos, o que denota a importância de se conhecer a gênese do sistema de proteção da propriedade intelectual e, sobretudo, o seu desenvolvimento no âmbito internacional.

Ressalte-se, nesse sentido e em arremate ao magnífico voto objeto deste ensaio, que outros dispositivos do TRIPS poderiam ter sido citados para evitar as distorções referidas no voto do Ministro Dias Toffoli, como, por exemplo, o art. 7, no sentido de que

“A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações.”

Nesse diapasão, também seria oportuno relembrar que o art. 8 determina que

“1. Os Membros, ao formular ou emendar suas leis e regulamentos, podem adotar medidas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o interesse público em setores de importância vital para seu desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, desde que estas medidas sejam compatíveis com o disposto neste Acordo. 2. Desde que compatíveis com o disposto neste Acordo, poderão ser necessárias medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia.”

O art. 31 prevê, ainda, que

“k) os Membros não estão obrigados a aplicar as condições estabelecidas nos subparágrafos (b) e (f) quando esse uso for permitido para remediar um procedimento determinado como sendo anticompetitivo ou desleal após um processo administrativo ou judicial. A necessidade de corrigir práticas anticompetitivas ou desleais pode ser levada em conta na determinação da remuneração em tais casos. As autoridades competentes terão o poder de recusar a terminação da autorização se e quando as condições que a propiciam forem tendentes a ocorrer novamente;”

Em tempo, cumpre destacar, também, a regra do art. 40 no sentido de que algumas práticas ou condições de licenciamento relativas aos direitos de propriedade intelectual que restringem a concorrência podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de tecnologia, ou ainda, que nenhuma disposição do Acordo impedirá que os Membros especifiquem, em suas legislações, condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante.

Finalmente, relembre-se a advertência da Professora Titular de Propriedade Intelectual de Harvard, Ruth Okediji (2003), no sentido de que a propriedade intelectual constituía um meio explícito para assegurar territórios e mercados nas colônias europeias e que, após esse período, gradualmente, a propriedade intelectual passou a ser uma maneira de os países europeus controlarem a competição advinda de suas antigas colônias, na medida em que tais direitos globais passaram a ser uma característica entrincheirada das relações econômicas mundiais.

Nesse contexto, a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 5.529/DF parece ter sido um contrapeso nessa relação, que necessita de equilíbrio para promover os ideais que sustentam todo o sistema da propriedade intelectual, traduzido pelo art. 5º, XXIX, da Constituição de República como o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, considerado sempre o interesse social.


[1] Lei 9.279/1996: “Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito.

Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.”

[2] TRIPS: “Artigo 27

Matéria Patenteável

  1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3 deste Artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.
  2. Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que a exploração é proibida por sua legislação.
  3. Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:

(a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais;

(b) plantas e animais, exceto micro-organismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma combinação de ambos. O disposto neste subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.”

[3] Newton Silveira (2005, p. 82.) ensina que: “Embora ambos os tipos de criações resultem do trabalho intelectual de seus autores, era relativamente fácil distinguir uma criação da outra através de seus efeitos. A criação no campo das artes vai produzir efeitos na mente (e na sensibilidade) das outras pessoas; a criação no campo da indústria vai produzir efeitos no mundo material (uma nova máquina, um novo processo de fabricação, um novo produto que produzam um efeito útil). O direito de autor foi classificado como parte do Direito Civil (tendo como requisito a originalidade da obra) e o direito do inventor como parte do Direito Comercial (tendo como principal requisito a novidade, objetivamente considerada). Essa divisão da propriedade intelectual sobre as criações do espírito em duas áreas do direito privado tornou-se inadequada no mundo contemporâneo. Enquanto a obra artística não foi publicada e os planos de uma invenção estão guardados na gaveta do inventor, ambos (autor e inventor) encontrariam guarida no Direito Civil, até porque, estando na esfera da privacidade, são, nessa fase, objeto de direitos de personalidade. No momento em que vão para o mercado, as obras artísticas e a invenção passam a ser produtos, objeto do tráfico comercial. Essa divisão tradicional se complicou quando surgiu a primeira lei do software no Brasil (1987), pois os programas de computador são obras técnicas, mas que facilitam uma operação mental. A solução encontrada (um tanto forçada) foi enquadrá-lo como um direito de autor especial (através de lei específica que mistura normas de direitos autorais com normas de propriedade industrial). Essa ruptura com o sistema tradicional foi tão grande que já se fala em substituir o direito da propriedade intelectual pelo direito da informação. Para complicar mais ainda, surgiu a lei das cultivares (uma espécie de propriedade intelectual no campo), que tem por objeto novas variedades vegetais (sementes e partes reprodutoras de plantas).”

[4] A Convenção de Paris já foi revista sete vezes: Madri (1890), Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967) — em vigor no Brasil desde 1992. Novo processo de revisão foi iniciado em 1980, na cidade de Genebra.

[5]A Convenção de Berna foi revista em Paris (1896) e Berlim (1908); complementada em Berna (1914); revista em Roma (1928), Bruxelas (1948), Estocolmo (1967) e Paris (1971); e emendada em 1979.

[6] Importante destacar, ainda, o Tratado de Cooperação em Matéria de Patente (PCT), firmado em 1970, que oferece assistência aos solicitantes que buscam proteção internacional por meio de patente para suas invenções e assiste aos escritórios de propriedade industrial de todo o mundo nas decisões sobre a outorga de patentes, assim como coloca à disposição do público o acesso à extensa informação técnica com relação às invenções. Ao apresentar uma solicitação internacional de patente de acordo com o PCT, os depositantes têm a possibilidade de proteger sua invenção em nível mundial, mais precisamente em 148 países.

[7] O TRIPS é o Anexo 1C do Acordo Geral da OMC.

[8] A respeito da noção de Federação no Brasil, Ricardo Lewandowski (1999, p. 41-42) ensina que: “A centralização do sistema federativo brasileiro atingiu, sem dúvida, o seu ápice após 1964, notadamente depois da edição da Constituição de 1967, cujos preceitos, nesse particular, foram basicamente reproduzidos na Carta de 1969. De fato, o Estado no Brasil, em que pese a retórica liberal dos militares que se sucederam no poder, caracterizou-se a partir de então por uma ingerência crescente nos campos econômico e social, levada a efeito, de forma predominante, através da União, que se viu aquinhoada com grande parte das competências antes conferidas aos Estados, os quais viram drasticamente reduzidos o seu poder residual. Melhor sorte não coube aos Municípios que, à semelhança dos Estados, passaram ainda a padecer de uma crônica carência de recursos, concentrados ao nível federal, dentre outros problemas.”.

[9] Vide a respeito os comentários de Pedro Marcos Nunes Barbosa (2013, p. 39): “Por outro lado, após vinte anos de vigência do Acordo TRIPS e do advento da Lei 9.279/96, uma consciência coletiva do uso adequado da propriedade intelectual como propulsora de políticos de candidatos ao Executivo, ou Legislativo, se tem a exposição de um direcionamento da propriedade intelectual que dê primazia aos interesses públicos primários internos. Aliás, boa parte dos projetos legislativos (apresentados na Câmara dos Deputados) é dotada de ótica patrimonialista expansionista, em regra procurando minar um controle mais preciso do sistema de patentes.”.

[10]Vide a relação de decretos internalizando os principais tratados e acordos multilaterais na área da propriedade intelectual: Decreto 1.355/1994 (Promulga a ata final que incorpora os resultados da rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais do GATT), Decreto 81.742/1978 (Promulga o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes – PCT), Decreto 75.699/1975 (Promulga a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas), Decreto 75.572/1975 (Promulga a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, revisão de Estocolmo, 1967), Decreto 75.541/1965 (Promulga a Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual).

[11]Maristela Basso (2003, p. 16) destaca que: “Os direitos de propriedade intelectual estão vinculados, historicamente, ao Direito Internacional porque houve uma interação entre o movimento de proteção dos direitos de propriedade intelectual e o Direito Internacional. Como se sabe, as Convenções da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (1883) e da União de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (1886) desempenharam um papel fundamental para a evolução desses direitos no âmbito dos direitos internos e do Direito Internacional”. Talvez tenha sido por essa razão que o curso de Propriedade Intelectual ministrado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo pelo Professor Newton Silveira tenha nascido no Departamento de Direito Internacional, e não no de Direito Comercial ou no de Direito Civil, como se poderia supor.

[12] Joseph Stiglitz (2003), Prêmio Nobel de Economia, comenta que: “Os Estados Unidos tentaram aplicar seu regime de propriedade intelectual a outros países, através da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de outros acordos bilaterais e multilaterais de comércio. Atualmente, o mesmo objetivo é perseguido por meio do chamado Acordo Estratégico Trans-Pacífico de Associação Econômica (“Trans-Pacific Partnership”). Acordos de comércio são, teoricamente, um importante instrumento de diplomacia: a integração no comércio promove outros acordos, em outras dimensões. Mas as tentativas do escritório de representação do comércio dos Estados Unidos de convencer os outros estão voltadas para os que consideram os lucros corporativos mais importantes do que a vida humana. Isto assinala o posicionamento internacional estadunidense: o estereótipo do norte-americano estúpido. O poder econômico normalmente fala mais alto do que valores morais. Em muitas instâncias nas quais os interesses corporativos americanos prevalecem, em relação à propriedade intelectual, nossas políticas ajudam a aumentar a desigualdade no exterior. Na maioria dos países é muito parecido com os Estados Unidos: as vidas da população mais pobre são sacrificadas no altar dos lucros corporativos. […] Todo o conhecimento é baseado em conhecimentos anteriores. Se eles tornam-se menos acessíveis, a inovação fica comprometida. […] Na verdade, um importante insight de Robert W. Fogel, historiador econômico e ganhador de um prêmio Nobel que morreu no mês passado, foi que a sinergia entre melhoras na saúde e a tecnologia são responsáveis por uma grande parte da explosão do crescimento econômico desde o século XIX. É por isso que os regimes de propriedade intelectual que criam rendas monopolistas e bloqueiam o acesso à saúde provocam desigualdades e dificultam o crescimento de forma generalizada. Existem alternativas. Advogados de direitos da propriedade intelectual têm superestimado seu papel de promotora da inovação. A maioria das inovações-chave — das ideias básicas que levaram aos computadores aos transistores, lasers ou a descoberta do DNA — não foram motivadas por lucros financeiros. Foram provocadas pela busca do conhecimento. É evidente: recursos precisam estar disponíveis. Mas o sistema de patentes é apenas uma maneira, e frequentemente não é a melhor, de prover esses recursos. As pesquisas financiadas pelos governos, fundações e o sistema de premiações (que oferece um prêmio a quem faz a descoberta e depois a torna amplamente acessível usando o poder dos mercados para benefícios reais) são alternativas, com maiores vantagens e sem as desvantagens do aumento de desigualdades do atual sistema de direitos de propriedade intelectual.” Richard Posner (2005) adverte, no mesmo sentido, que: “Propertization is not the only method of providing incentives to engage in a socially valuable activity like basic research. Another method, particularly important in scientific fields, is public financing of basic research.”.

[13] De acordo com estudo feito na Câmara dos Deputados (2013, p. 20-21) para a revisão da Lei 9.279/1996: “O déficit na balança comercial na área de patentes e direitos correlatos aumentou 3.600% de 1993, logo antes da entrada em vigor da OMC, até 2012, representando mais de US$ 3 bilhões negativos anuais (Banco Central do Brasil). O déficit na área de saúde em 2010 foi de US$ 10 bilhões. […] Das patentes depositadas no Brasil, mais de 76% são de estrangeiros. Dos restantes 24%, uma significativa parcela é de empresas de capital estrangeiro. Isso porque o termo ‘residentes’ inclui empresas estrangeiras que possuem escritório legalmente constituído no Brasil. O sistema atual de patentes tem servido para reserva de mercado.”. Vide, nessa direção, o comentário de Pedro Marcos Nunes Barbosa (2013): “[…] cada vez mais o Brasil se torna objeto das especulações estrangeiras, além de permanecer como ‘vítima’ das remessas de royalties ao exterior. Num verdadeiro círculo nada virtuoso — permita-se aqui o trocadilho — inventou uma solução que fomentou problemas. E, hoje, tal como uma dependência química, as doses de ‘solução’ são aparentemente maiores ao tempo em que despertam efeitos mais tímidos. […] No âmbito das patentes farmacêuticas, verba gratia, há uma tendência a multiplicidade de patentes de segundo uso, de pedidos de exclusiva sobre meras formulações, e cada vez menos desenvolvimento de novos princípios ativos. Portanto, observa-se uma banalização de requisito legal sobre atividade inventiva”.

[14] Do mesmo estudo (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013, p. 40), extrai-se que: “A título de ilustração, a tabela do Banco Central do Brasil, a seguir, indica fluxo de capital ingresso e egresso, na área de direitos autorais, entre Brasil e EUA. Apesar de não serem dados sobre patentes, os números evidenciam o enorme déficit na balança comercial entre os dois países, na área de direitos autorais. Em 2008, ingressaram no Brasil US$ 27.204.000,00 (vinte e sete milhões, duzentos e quatro mil dólares) referentes a direitos autorais de brasileiros nos Estados Unidos. Ao passo que egressaram para os EUA US$ 2.359.143.000,00 (dois bilhões, trezentos e cinquenta e nove milhões, cento e quarenta e três mil dólares)”

[15]Art. 5º, XXIX, da Constituição Federal.

[16]O primeiro e o segundo representados, respectivamente, pelas Convenções de Paris e de Berna.


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Walter Godoy dos Santos Junior – Graduado, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do curso de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Universidade Nove de Julho. Professor e Coordenador de cursos na Escola Paulista da Magistratura. Juiz de Direito no Tribunal de Justiça de São Paulo, convocado para auxiliar o Ministro Luiz Fux na Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Ericksson Gavazza Marques – Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Doutorado pela Universidade de São Paulo. Mestrado em Direito pela Université de Paris II (Pantheon-Assas). Especialização pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Especialização pela Faculdade de Direito da Université de Paris II (Pantheon-Assas). Professor nos Cursos de Mestrado e Doutorado da Universidade Nove de Julho.

Eduardo Barreto Cezar – Servidor Público Federal. Ex-Assessor Especial da Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Assessor de Ministro do STF. Pesquisador Bolsista do Doutorado em Direito Empresarial da Universidade Nove de Julho.


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