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ADI5529 e a legislação-álibi sobre a extensão do prazo de vigência de patentes

[Milton Lucídio Leão Barcellos]

No direito e na vida o estabelecimento de premissas assertivas e sólidas faz toda diferença. No primeiro é núcleo essencial para determinação de validade. No segundo auxilia sobremaneira uma vida transparente e plena.

Pois bem, com a manifestação de diversos amigos da corte[1] e trâmite de mais de 4 anos no STF, a ADI 5529 está madura para ser julgada no dia 07 de abril de 2021[2].

Ao adentrar na premissa do estabelecimento da norma, fica evidente a perspectiva de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei 9279/96 ou um dispositivo que caracteriza uma “legislação-álibi” [3].

Isso porque parte-se da premissa de mora do ente público (responsabilidade exclusiva deste) para definir a extensão indeterminada do prazo de vigência das patentes, adotando premissa diversa daquela adotada no próprio caput do art. 40, que considera a contagem do prazo com base na data do pedido de patente e sem considerar quaisquer fatores exógenos que comprovem a prejudicialidade do exercício lícito e constitucionalmente saudável do direito de excluir terceiros de reproduzir a invenção ou modelo de utilidade por 20 (PI) ou 15 (MU) anos contados da data do depósito do pedido. Ou seja, um salvo-conduto automático com lógica simplista e premissa equivocada que conduz a um prazo exacerbado de proteção generalista e para todas as tecnologias.

Fica a pergunta: qual seria a premissa correta? Qual a resposta do Direito à inação prejudicial do ente público em relação ao direito do titular da patente? A resposta está no princípio constitucional do dever de eficiência do ente público[4] e nos instrumentos processuais disponíveis ao ente privado para que tal seja efetivado[5]. A demora do INPI efetivamente não é razoável, sendo que tal, além de ser pública e notória, igualmente possui instrumento jurídico disponível para ser resolvida. Se o titular do pedido de patente não faz uso do arcabouço jurídico a ele acessível para acelerar o exame do seu pedido, das duas uma: ou não está sendo prejudicado pela demora, ou a demora lhe é mais benéfica do que a celeridade.

Aliás, de longa data existem também instrumentos jurídicos no âmbito administrativo do próprio INPI para a aceleração do exame de patentes (chamados exames prioritários) com base, por exemplo, na comprovação de violação da patente por terceiros[6]. Ou seja, caso o titular do pedido de patente sinta-se prejudicado pela demora não razoável na análise do seu pedido, possui (de longa data, frise-se) instrumentos jurídicos eficientes para a efetivação do seu direito com a análise do seu processo administrativo de obtenção de patente perante o INPI.

Com efeito, não se desconhece os dispositivos de outras jurisdições que possibilitam a extensão do prazo de proteção da patente com base em comprovações específicas de atrasos regulatórios para o ingresso do produto no mercado, os quais possuem suas lógicas próprias e não partem de premissa equivocada generalista e indefinida como a prevista no caput do art. 40 da Lei 9279/96. Ora, nesta perspectiva, o parágrafo único do art. 40 sequer passa pelo teste da posição original e do véu da ignorância[7].

Frise-se, ainda, que historicamente o prazo de vigência de patentes vem sendo dilatado sem a sua direta e expressa correlação com o seu dever de estimular mais inovação e gerar desenvolvimento[8]. Além disso, a falaciosa argumentação de que somente a concessão da patente confere direito de oponibilidade contra terceiros cai por terra não apenas pelo fato de possibilidade de responsabilização do violador retroativa à data da ciência pública do conteúdo da patente[9] (gerando efeitos práticos excludentes de terceiros mesmo sem o título de propriedade reconhecido pelo INPI), mas também pela essência do próprio direito de patentes ser inseguro por natureza[10]. Entende-se que até mesmo Richard Posner e William Landes teriam um olhar cético a respeito do parágrafo único do art. 40 frente ao que já escreveram a respeito da análise econômica de patentes[11].

Retomando o foco resumido desta análise a respeito do vício insanável de premissa equivocada no estabelecimento da norma infraconstitucional (legislação-álibi), nota-se que há uma inversão principiológica sobre a função do sistema de patentes[12], o que não apenas atenta contra a cláusula finalística condicional (cujo conceito de norma constitucional meramente “programática” já foi há muito superado, de modo que efetivamente vincula o legislador ordinário[13]), como atenta também contra a lógica do ordenamento jurídico brasileiro, conforme delineado nos pareceres irretocáveis dos cultos Ministro aposentado Eros Grau e do saudoso Professor Denis Borges Barbosa que integram a ADI 5529.

Por fim e na linha da peça vestibular da PGR, importantíssimo o reconhecimento da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei 9279/96 porque o dispositivo sob exame não atende à cláusula finalística de eficácia imediata e condicionante de atuação do legislador ordinário presente no inciso XXIX do art. 5º da CRFB/88 e em estrita harmonia com o ordenamento jurídico constitucional[14].


O presente artigo foi publicado pela primeira vez no periódico digital Migalhas. 


[1] ABIFINA, ABIA, FARMABRASIL, PROGENERICOS e IBPI (pela procedência da ação) e ABAPI, ABPI, AB2L, ANPEI, ANDEF, AGROBIO BRASIL e INTERFARMA (pela improcedência da ação). A mais recente manifestação é da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica – ABINEE, a qual pediu seu ingresso em 11.03.2021 como entidade representativa do setor industrial de produtos elétricos e eletrônicos de todo o Brasil, incluindo “(…) 339 indústrias, estabelecidas em 12 Estados da Federação, que atuam nas áreas de automação industrial e comercial; equipamentos industriais; telecomunicações; informática, utilidades domésticas, ferramentas etc. (doc. 04), as quais movimenta mais de R$ 154 bilhões2 por ano no país (…).” (p. 4 da petição de amigo da corte da ABINEE, disponível em http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4984195.

[2] Há uma interessante e recentíssima requisição de informações adicionais formulada pelo Min. Relator Dias Toffoli para o Presidente do INPI enviado em 12.03.2021 objetivando receber dados do INPI em 13 questionamentos específicos e que buscam esclarecimentos da Autarquia Federal a respeito das circunstâncias fáticas que envolvem a ADI5529 sob exame, disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15345895512&ext=.pdf.

[3] NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3ª Edição. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2011.

[4] Existentes na ordem constitucional brasileira desde a sua origem através do art. 74, II da CRFF/88 e posteriormente com a EC n. 19 de 1998 e alteração do caput do seu art. 37 incluindo expressamente a “eficiência” para, finalmente, no que tange à espécie expressa através da razoável duração do processo administrativo, a elevação do princípio da eficiência de entrega efetiva da prestação de serviços do ente público materializado através da EC n. 45 de 2004 com a inserção do inciso LXXVIII no art. 5º da CRFB/88.

[5] O Mandado de Segurança é eficiente e reiteradas decisões dos Tribunais pátrios especificamente na área de propriedade industrial demonstram que uma vez acionados o efeito prático é célere na efetivação da prestação jurisdicional (julgamento do mandamus) com base no arts. 48 e  49 da Lei 9784/99 e na EC n. 45/2004 com o consequente acolhimento pela Autarquia Federal (no caso específico o INPI) com o julgamento efetivo do pedido de patente ou de marca. Nesse sentido ver: TRF2 2017.51.01.214721-5; TRF2 2017.51.01.157849-8; TRF2 2017.51.01.033239-8.

[6] Ver Resolução INPI 132/06.

[7] Ver RALWS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[8] Há correlação clara entre a existência do sistema de patentes e o estímulo à inovação, de modo que esta afirmação não é contrária ao sistema de patentes, mas sim alinha-se com ele. O que se destaca é que o aumento do prazo de vigência de patentes não possui correlação direta com o maior estímulo à inovação, de modo que há o rompimento do seu elemento fundante e razão de existir de todo o sistema de patentes quando ocorre o aumento infundado do prazo de vigência. Nesse sentido, ver BARCELLOS, MLL. Repensando o prazo de vigência de patentes além do ADPIC (TRIPS): reflexões com dados empíricos. PIDCC, Aracaju/SE, Ano IX, Volume 1, n. 02, p. 132-145, JUL/2020, disponível em http://pidcc.com.br/07052020.pdf.

[9] Ver art. 44 da Lei 9279/96.

[10] Ver art. 48 da Lei 9279/96 sobre os efeitos ex tunc da declaração de nulidade de patente e art. 56 da referida Lei que possibilita a qualquer pessoa com legítimo interesse ingressar com nulidade da patente a qualquer tempo de sua vigência. Ou seja, por mais que haja a concessão de uma patente, muitos dos seus efeitos jurídicos na prática (inclusive a sua oponibilidade limitada contra terceiros) são notados desde a data do depósito do pedido no INPI.

[11] “(…) Whether a given degree of patent protection is socially desirable depends on the patentee’s fixed costs, the inherent difficulty of inventing around the patent (that is, holding constant the degree of patent protection), and the extra profits that the patentee can expect to receive from greater protection. The greater the fixed costs of research and development and the easier it is to invent around the patent, the greater will be the degree of patent protection required to create adequate incentives to invest in developing the invention in first place. The patent system makes no effort, however, to match the degree of patent protection to those variables. A patentee’s monopoly markup, which of course is influenced by the degree of patent protection, beers no direct relation to the fixed costs that he actually incurred in creating the patented invention (…)”. Em POSNER, Richard A. e LANDES, William M. The economic structure of intellectual property law. Londres, The Belknap Press of Harvard University Press, Cambridge, Massachussetts, and London, England, 2003, p. 300.

[12] Importante referir que o aqui tratado em nada viola qualquer assunção legal obrigacional do Brasil em nível internacional quando da adesão ao ADPIC (TRIPS), de modo que todo o sistema de patentes brasileiro segue hígido e em total harmonia com o ADPIC apresentando ou não a extensão prevista no indigitado parágrafo único do art. 40 da Lei 9279/96.

[13] Ver PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As normas constitucionais programáticas e a reserva do possível. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 49, n. 193, JAN/MAR 2012. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496554/000940642.pdf?sequence=1&isAllowed=y

[14] Conforme citado na peça inaugural da PGR: o princípio da isonomia (CR, art. 5o , caput), a defesa do consumidor (CR, arts. 5º, XXXII, e 170, V), a liberdade de concorrência (CR, art. 170, IV), a segurança jurídica (CR, art. 5º, caput), a responsabilidade objetiva do estado (CR, art. 37, § 6º), o princípio da eficiência da atuação administrativa (CR, art. 37, caput) e o princípio da duração razoável do processo (CR, art. 5o , LXXVIII).


Milton Lucídio Leão Barcellos é advogado e Agente da Propriedade Industrial sócio da Leão Propriedade Intelectual (clique aqui). Mestre (2006) e Doutor em Direito (2010) pela PUCRS com bolsa CAPES e período como Professor-Visitante na Universidade de Boston/MA/EUA (2009). Professor convidado para lecionar a disciplina de propriedade intelectual, inovação, concorrência e transferência de tecnologia em Programas de Extensão e Pós-Graduação em diversas Universidades Brasileiras. Pesquisador na área de Propriedade intelectual e sua interrelação com outras áreas do direito. Autor de diversos livros e Artigos na área de propriedade intelectual. Idealizador e Ex-Presidente da primeira Comissão de Propriedade Intelectual do Brasil no âmbito da OAB/RS (1999-2006) e atual membro desta mesma comissão. Ex-Presidente da Seccional Sul da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial – ABAPI (2005-2007). Vice-Presidente da Comissão de Transferência de Tecnologia do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual – IBPI(2021-). Diplomado pela FICPI no Curso de Redação Internacional de Patentes (2017). Associado da ISSABAPI, ABPI, AIPPI, APAA (Observador), ATRIP, IBPI e LIDC. E-mail: milton.lucidio(at)leao.adv.br.


ISSN 2509-5692

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