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Entrevista com André Ricardo Cruz Fontes, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Entrevista conduzida por Pedro Marcos Nunes Barbosa, realizada em 02.06.2017.

O professor André Fontes é tido como o magistrado brasileiro com o maior domínio intelectivo e conglobante do Direito da Propriedade Intelectual, é quatro vezes Doutor (UERJ, UFRJ em duas especialidades distintas e UFFRJ), duas vezes mestre (UERJ e UFF), e Pós-Doutor (UFSC). Recentemente foi selecionado para sua segunda experiência ulterior aos Doutorados, desta vez junto ao Largo de São Francisco (USP) para pesquisar a disciplina da Transferência de Tecnologia.

Entre suas searas favoritas constam a Filosofia Fenomenológica de Edmund Husserl, o Direto Civil, o Direito Administrativo, o Direito Processual, o Direito da Concorrência, o Direito Ambiental e, claro, a Propriedade Intelectual.

Antes de sua labuta na docência e na judicatura o entrevistado inaugural do IP IURISDICTIO foi advogado trabalhista, procurador do Município do Rio de Janeiro e membro do Ministério Público Federal.


IP IURISDICTIO: A leitura das especialidades jurídicas à Luz da Constituição da República tomou força no Brasil através da escola denominada de “Direito Civil-Constitucional”, proeminente em território nacional através da UERJ. Tendo cursado seu mestrado e doutorado nesta instituição, qual é a influência desta gama de valores na sua leitura do Direito da Propriedade Intelectual?

PROF. ANDRÉ FONTES: Duas grandes linhas teóricas dividiam, ao tempo do meu curso de Mestrado e também do Doutorado, a melhor compreensão do Direito Civil, no Rio de Janeiro: a Civil-Romanista, encabeçada pelo Professor Francisco Amaral, da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ); e a do Direito Civil-Constitucional, chefiada pelo Professor Gustavo Tepedino, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Diferem em vários aspectos, uma e outra, especialmente quanto às fontes e aos limites do conhecimento. A Civil-Romanista toma a origem e desenvolvimento do Direito Civil como parte da compreensão da disciplina e reconhece o sistema de Direito Romano como um contexto maior no qual o Civil está integrado. Além disso, mantém a divisão dicotômica do Direito (público e privado) e parte da necessária ideia de que o Direito Civil integra Direito Privado, como o seu direito comum.

A do Direito Civil constitucionalmente direcionado busca na Constituição, seja nos seus amplos limites seja na possibilidade de reconhecer valores supralegais, uma fonte mais ampla de postulados e princípios e também uma forma de superar o dualismo público-privado, dando ao Direito Civil uma eficácia muito além dos limites dicotômicos de Direito.

Há de ser lembrado que essa constitucionalização do Direito Civil, pregada pela UERJ, não se limita a destacar os dispositivos que poderiam ser de Direito Civil e estão formalmente na Constituição, mas sim de extrair alguns dos valores mais caros e sensíveis da sociedade brasileira e os integrar no cerne do Direito Civil, como o seriam, por exemplo, dois dos mais importantes nortes do Direito infraconstitucional: a dignidade da pessoa humana e a função social da propriedade.

Sem prejuízo da tradição romanística, esses destaques (dentre outros, a dignidade da pessoa humana, integrada aos institutos tradicionais) dão ao Direito Civil-Constitucional uma outra dimensão em seus propósitos mais elevados. E a esse respeito creio que a contribuição do Direito Civil constitucionalmente orientado seria especialmente útil e necessária para a transcendência do Direito Civil e conduzi-lo para além dos seus próprios limites, como o seria, por exemplo, para o Direito da Propriedade Intelectual, com toda temática integrada com a Constituição da República, sobre dignidade da pessoa humana e função social da propriedade.

IP IURISDICTIO: A interdisciplinaridade ínsita aos seus estudos e escritos (no tocante ao Direito Administrativo, Concorrencial, Constitucional, Consumidor, Meio Ambiente) impacta na sua análise contextual na adjudicação de lides versando sobre os Direitos Intelectuais?

PROF. ANDRÉ FONTES: Todos os meus estudos são integrados, seja pelo Direito como um todo como, também, em outros ramos do conhecimento. Uso a Epistemologia e a Filosofia invariavelmente. A ideia de objeto formal, e mesmo de objeto, que foram o tema da minha tese em Fenomenologia, estão em todos os meus trabalhos, nas entrelinhas, assim como as teses fenomenológicas de Reinach para o Direito Civil. Por essa razão, não retiro ou afasto de uma análise concreta de um conflito a mim submetido, aquilo que seriam as noções essenciais (fenomenológicas) dos direitos em questão, e nem mesmo o conhecimento apriorístico (a priori). Ao contrário, eu aplico os métodos e os sistemas filosóficos que conheci em todos os meus trabalhos acadêmicos de Direito. De maneira que, o próprio termo “propriedade” da locução “propriedade intelectual” não passa em branco quando é submetido ao meu juízo decisório.

IP IURISDICTIO: No Perú a pessoa jurídica de direito público responsável pelos serviços públicos atinentes à propriedade intelectual é o INDECOPI que, simultaneamente, reúne as competências daquilo que no Brasil é repartido entre o PROCON, o CADE e o INPI. Sem qualquer pretensão de fazer simplificações pueris entre ordenamentos jurídicos, Estados de Direito, e a demanda ocorrida nos dois países sulamericanos, em sua ótica quais são as vantagens e desvantagens da segregação dos serviços públicos quando se trata de uma disciplina (a P.I.) que tem a capacidade de impactar em distintos núcleos de interesse?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acredito em uma ampla utilização do que se convencionou chamar de “diálogo das fontes”, ou seja, das fontes do Direito. E é muito difícil imaginar que isso não ocorra. A esse respeito, lembro que, meus votos e decisões integram a noção de concorrência e de defesa do consumidor, além da sustentabilidade. Portanto, estou convencido de que, mesmo não submetidos a um único órgão, já haveria uma integração das ideias utilizadas e aplicadas, de modo a que não se interprete o sistema jurídico como uma “colcha de retalhos”.

IP IURISDICTIO: Fugindo do eurocentrismo e da cultura anglófona, entre nossos “irmãos”-soberanos latino-americanos, quais outras políticas públicas, repartição de competências, em sua opinião, poderiam ser estudadas e, mutatis mutandi, adaptadas para a melhoria das relações comutativas e distributivas versando sobre Direitos da Propriedade Intelectual no Brasil?


“Reconheço a importância e respeito a contribuição do povo dos Estados Unidos na propriedade intelectual, mas ressalvo toda a contribuição argumentativa e jurídica dos países de expressão castelhana da América do Sul, Central e Caribe, além do México.”


PROF. ANDRÉ FONTES: Creio que a técnica dos países vizinhos de usar a terminologia jurídica clássica e as culturas locais dão uma realidade prática maior e integrada aos estudos de propriedade intelectual. Ressaltar os direitos da personalidade e os direitos morais dos criadores me parecem mais condizentes com a cultura de nosso País do que a simples ideia de um direito mais objetivo e utilitário dos Estados Unidos da América, por exemplo.

Reconheço a importância e respeito a contribuição do povo dos Estados Unidos na propriedade intelectual, mas ressalvo toda a contribuição argumentativa e jurídica dos países de expressão castelhana da América do Sul, Central e Caribe, além do México.

IP IURISDICTIO: A especialização do Poder Judiciário com a criação de Varas e Turmas Federais com atribuição direta na jurisdição do Direito da Propriedade Intelectual foi uma conquista advinda da Lei 9.279/96. Quais os principais avanços que apontarias com relação a experiência do TRF-2?

PROF. ANDRÉ FONTES: A especialização vai além do que se poderia inicialmente cogitar. Porque deixa de ser uma questão estritamente jurídica para ser epistemológica: o trabalho tende a ser mais bem compreendido, rápido e mais sofisticado com a especialização. Foi a especialização que marcou a revolução industrial e a economia moderna com a intensidade do conhecimento e redução dos custos. Não é diferente na Medicina ou na Engenharia e não o será no Direito.

Os números fantásticos de desempenho que o tribunal apresenta e o aprofundamento das questões são o resultado mais imediato dessa afirmação.

IP IURISDICTIO: Em sua opinião o crescente número de demandas distribuídas em outras regiões (TRF’s) distintas da Corte que presides, questionando atos administrativos do INPI (sediado no RJ), por parte de sujeitos de direito privado de índole estrangeira não vilipendia a melhor divisão de tarefas entre o Poder Judiciário?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acredito que as partes necessitem submeter os seus casos às estratégias de atuação que seus advogados orientam. Se um tribunal é mais corriqueiro no trato de certas questões, como seria a de matéria agrária nos estados de maior produção, possivelmente o interessado desejará evitar uma solução análoga aos casos anteriores e possivelmente previsíveis. Talvez conte e considere a parte ou o advogado com a possibilidade da falta de prática nessa área por parte do juiz local, com o propósito de provocar uma leitura original ou genuína sobre o assunto, como seria, por exemplo, a de um juiz do Rio de Janeiro discutir um problema de compra de grande quantidade de cabeças de gado no interior do País; ou a de um juiz de um estado que não tenha litoral, julgar uma causa sobre Direito de Pesca em alto mar.

IP IURISDICTIO: Qual tem sido o ponto alto e o ponto baixo da atuação da advocacia quanto aos litígios federais versando sobre a Propriedade Intelectual?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acredito que o ponto alto seja a qualidade e a competência técnica dos advogados. Afinal, foram eles que elevaram o nível da propriedade intelectual no Brasil, a despeito do ser um direito extremamente dependente da atuação do juiz. Por meio de grandes peças de defesa, dos congressos e da produção de livros, os advogados foram os maiores protagonistas nesse cenário complexo da propriedade intelectual no País.

O ponto baixo é a visão introspectiva e ensimesmada com que lidam com as questões, não compartilhando com os juízes o estado da técnica desenvolvido nos seminários e congressos que eles próprios promovem. São congressos fechados e geralmente polarizadores da atuação dos juízes e pesquisadores estritamente acadêmicos da área.

IP IURISDICTIO: Qual a interação pragmática havida entre a magistratura que cuida da coerção (infração) de direitos constituídos da propriedade intelectual (Juízes de Direito) – lides entre partes privadas -, e dos Órgãos Judicantes que analisam a validade dos atos administrativos do INPI/ANVISA/MAPA/IBAMA/Registro Nacional de Sementes e Mudas (Cultivares) (Juízes Federais)? Como a segregação de competências pode ser vista como positiva e/ou negativa aos olhos do resultado, a eficácia da prestação jurisdicional?

PROF. ANDRÉ FONTES: Tanto o juiz de Direito quanto o juiz federal têm, no ato de registro, a fonte e a solução das causas a eles submetidas. O juízo federal tem em mãos o problema da validade do ato administrativo e o juízo de Direito as violações dos direitos que esse mesmo ato cria.

Do ponto de vista das partes essa divisão é insustentável. É a que separa dois aspectos de um mesmo fenômeno, que é o chamado ato administrativo: a vontade do Estado ínsita ao ato administrativo que outorga o direito, que por sua vez o interessado pretende ver tutelado, e é impropriamente bipartido nos efeitos de análise judicial, contra os mais lídimos interesses dos litigantes.

O problema é que essa distinção de competências jurisdicionais não me parece tão simples de ser resolvida. Até porque não separamos apenas validade e violação no ato administrativo, mas, também, a análise conjugada de matérias como a concorrência e o consumo, dentre outros (outros como as inúmeras questões regulatórias).

Não tenho o que dizer, além do fato de que deve o tribunal que apreciar a violação usar a técnica da prejudicialidade para, apenas, conhecer (e não a submeter o assunto ao mérito, por não ser possível, por falta de competência) diante do eventual atraso na solução da impugnação da validade do ato administrativo.

IP IURISDICTIO: No Brasil há uma peculiar política pública de, em geral, não se tributar bens de produção (ao contrário dos bens de consumo que são tributados – por exemplo, por ICMS -, e dos bens civis que, também são tributados – por exemplo por IPTU, IPVA, ITR) entre os quais ganham destaque a propriedade intelectual. Descontados os valores simbólicos das obrigações propter rem (ex: anuidades junto ao INPI), tal política pública tem garantido que as obras literárias (Direitos Autorais), tecnologias (Patentes, Topografias e Circuitos Integrados, Cultivares), e elementos decorativos (Desenhos Industriais), sejam vendidos a preços razoáveis no Brasil? A ausência de tributação específica tem gerado bem-estar e acesso aos consumidores?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acredito que isso se deve mais a uma falta de uma cultura própria do que a falta de uma técnica de universalização do consumo e da promoção do bem-estar dos consumidores. E isso ocorre em paralelo com o afrouxamento dos controles de transferência de tecnologia em nosso País.

IP IURISDICTIO: Enquanto modalidades da chamada intervenção do Estado na propriedade privada (ex: desapropriação, requisição, tombamento, limitações administrativas) são cotidianamente exercidas pelos Chefes do Executivo de todos os entes federativos, a que fato atribui o parco uso das Licenças Compulsórias nas políticas públicas de produtos estratégicos (como os medicamentos para uso humano, as tecnologias atinentes a alimentos) protegidos por direitos de propriedade intelectual no Brasil?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acredito que tal se dê pela falta de informação e uma consequência da ausência de uma sociedade civil forte diante do agigantamento ineficiente do Estado brasileiro. Uma dose também de desapreço pela saúde e economia popular, além do tráfico de influência dos interessados imediatos, e de uma fragilidade da soberania nacional diante dos interesses dos os outros países economicamente mais desenvolvidos.

IP IURISDICTIO: Na arquitetura regulatória do Direito da Propriedade Intelectual o que poderia ser melhorado para maximizar as transferências tecnológicas e o estímulo ao desenvolvimento de tecnologias disruptivas no Brasil?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acredito que somente um controle mais rígido na aplicação de leis dinâmicas, orientadas para esse fim, além de uma autoridade reguladora, na versão alemã de autonomia, e não das (impropriamente chamadas) “agências reguladoras” de nosso País.

A promoção tecnológica é importante, mas é dependente de companhias com nacionalidade bem definidas, como ocorre com as companhias etnocêntricas norte-americanas, alemãs ou japonesas, por exemplo, que têm uma nacionalidade e um país na qual projetará suas forças e poder, além de concentrar informação e tecnologia.

IP IURISDICTIO: Quais suas impressões sobre a importância do empoderamento do INPI, a possibilidade da Autarquia ganhar efetiva autonomia financeira, a realização de novos concursos públicos e o problema do acumulo de processos administrativos não julgados (denominado de “backlog” pela importação de uma expressão anglófona)?


“O tal “backlog” é mais uma de forma eufemística de achar um nome simplificado para uma coisa séria e grave – o que é um erro.


PROF. ANDRÉ FONTES: Não se resolve um problema reduzindo sua expressão a um nome chamativo, como ocorre com “meninos de rua” ou “balas perdidas”. O tal “backlog” é mais uma de forma eufemística de achar um nome simplificado para uma coisa séria e grave – o que é um erro. No caso do “backlog”, o termo em inglês vai acompanhado da critica que o famoso dramaturgo Nelson Rodrigues denominou de “complexo de vira-lata” – porque achamos em nosso País que o mais moderno e sofisticado seja expresso em língua inglesa.

O INPI é atacado por todos, seja quando faz algo ou quando não o faz. Acho que sem que todos os profissionais reconheçam e defendam o INPI não chegaremos muito longe.

De qualquer modo, creio que o problema começa com o INPI ser réu e condenado pelo erro ou má-fé de terceiros. Se ele faz o que tem que fazer, mesmo enganado, é condenado. É um caso único de condenação necessária por cumprir sua função. Não há paralelo em nosso País ou no mundo.

A retirada de uma autonomia financeira do INPI é o resultado de uma política geral de uma propriedade intelectual forte para os fortes e não para todos. Se houvesse interesse de todos, o INPI teria os recursos que recolhe para fazer cumprir a sua missão.

A prática lobista e os grupos de pressão, tão surpreendentemente fortes em nosso País, julgam que não vale a pena usar seus poderes para algo que não seja a afirmação de certos interesses na propriedade intelectual. Deixam assim o INPI à míngua e desassociado dos seus nobres fins.

IP IURISDICTIO: Quais suas impressões sobre a recente conscientização do CADE (densificada em feitos importantes sobre Direitos Autorais, Abuso do Direito de Petição na seara das patentes e dos Desenhos Industriais) quanto aos possíveis impactos negativos do uso abusivo dos Direitos da Propriedade Intelectual com relação ao Direito Antitruste, bem como a regulação específica da Lei 12.529/2011?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acredito que a concorrência é a chave de uma economia sólida e bem desenvolvida. Nossa Constituição proíbe o monopólio e reconhece o valor da livre concorrência. Mas, somos o País da regulação. Diversamente da Europa, por exemplo, que tem mais concorrência e menos regulação, temos mais regulação e menos concorrência. Na Europa, duas distribuidoras de energia elétrica poderão ter dois postes, lado a lado, para competir. Aqui no Brasil, a ideia soaria um absurdo, e obrigaria, de forma regulatória, um compartilhamento de um dos postes com o outro competidor, mesmo em prejuízo da concorrência.

IP IURISDICTIO: Na literatura (doutrina jurídica) nacional da Propriedade Intelectual, quais são os quatro livros e os autores que indicarias para um jovem graduando, para um integrante da magistratura/MP/advocacia?

PROF. ANDRÉ FONTES: Denis Barbosa, Newton Silveira, Gama Cerqueira e incluiria o Professor José de Oliveira Ascensão como um brasileiro “por adoção” afetiva – são os meus preferidos. Recomendo todos os livros desses autores.

IP IURISDICTIO: Entre os Tratadistas do Direito Privado nacionais já falecidos, sem especialização peculiar à Propriedade Intelectual, qual dos autores e obras mais lhe chamam a atenção?

PROF. ANDRÉ FONTES: Pontes de Miranda, Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira e Spencer Vampré.

IP IURISDICTIO: Na literatura (doutrina econômica) nacional de algum modo relacionada à Propriedade Intelectual, quais são os quatro livros e os autores que indicarias para um jovem graduando, para um profissional mais experiente?

PROF. ANDRÉ FONTES: Leio Celso Furtado, Denio Nogueira (que cheguei a conhecer), Arnaldo Fazoli Filho, Ediberto Luz Bastos, dentre outros, porque prefiro ler História da Economia.

IP IURISDICTIO: Na literatura estrangeira (jurídica/política/econômica) quais são os quatro autores e obras que mais lhe agradaram, criticamente, nas últimas décadas?

PROF. ANDRÉ FONTES: Joseph Stiglitz, Richard Posner, Joseph Schumpeter e Guillaume Blanc-Jouvan.

IP IURISDICTIO: Qual é o efetivo poder persuasório dos pareceres jurídicos (versando sobre propriedade intelectual) emanados por causídicos consultados pelas partes de uma lide, e entranhados nos autos?

PROF. ANDRÉ FONTES: Eu leio! Simplesmente, leio! Aprendi muito com esses pareceres. Alguns são realmente impressionantes. Outros, muito professorais e sem resolver a questão central, perdem a oportunidade de chamar a atenção do busílis da questão.

Prefiro os que enfrentam os problemas e não os que fazem uma repetição teórica do assunto em discussão, embora reconheça que sem tal introdução das premissas fundamentais, não se faz possível apresentar uma solução para o caso.

IP IURISDICTIO: Qual o risco da captura da doutrina da propriedade intelectual nacional pela advocacia que, sendo tão legítima quanto o outro múnus, é imbuida de diversa função?

PROF. ANDRÉ FONTES: Para mim, a captura é um desvio de conduta! Uma forma de atentar contra o Direito e a Justiça!

É um nome pomposo para a ignominiosa parcialidade do juiz e a falta de isonomia no tratamento das partes.

Aquilo que no Boxe (Pugilismo, esporte de combate) seria chamado de “golpe baixo”.

Eu reputo um desvio das nobres funções de advogado e juiz, respectivamente.

É o que penso.

IP IURISDICTIO: Nos concursos públicos para magistrados federais, e na formação dos recém aprovados, como poderia operar a expansão do ensino e pesquisa do Direito da Propriedade Intelectual?

PROF. ANDRÉ FONTES: O ideal é que professores sejam os convidados a participar, e não os interessados em casos concretos no mesmo Tribunal, como advogados ou pareceristas de causas em curso no mesmo tribunal, na composição de bancas e na formação do grupo que vai elaborar as provas.

Igualmente, sejam professores-conferencistas para os cursos de formação e atualização dos juízes.

Se houver advogado como palestrante, e acho possível que possa legitimamente ocorrer, mesmo com patrocínios de causas no próprio Tribunal, que somente seja possível uma exposição aos juízes com um, ao menos, contraponto à altura, por outro advogado.

É o que penso.

IP IURISDICTIO: Em sua opinião, por que há um mero papel de singelo coadjuvante da disciplina da propriedade intelectual nas Faculdades de Direito – na maioria das vezes, quando existente, cuida de mera eletiva? O que pode ser feito para expandir a conscientização da cultura de tutela legítima aos bens imateriais junto aos profissionais de Direito?


“Os cursos jurídicos, por sua vez, tendem a ficar progressivamente menos enciclopédicos, com a redução de matérias reputadas tradicionais, como, por exemplo, Direito Romano e Teoria Geral do Processo.”


PROF. ANDRÉ FONTES: Cada universidade tem sua forma de conduzir sua autonomia universitária. Os cursos jurídicos, por sua vez, tendem a ficar progressivamente menos enciclopédicos, com a redução de matérias reputadas tradicionais, como, por exemplo, Direito Romano e Teoria Geral do Processo. Por essa razão, a propriedade intelectual seria, no máximo, aceita na graduação como uma disciplina à escolha do aluno.

IP IURISDICTIO: No Brasil – diferentemente do que ocorre em Cortes Constitucionais estrangeiras – o STF raramente aprecia e dirime feitos versando sobre Propriedade Intelectual. De outra monta, a CRFB (em termos da Constituição Formal) é uma das fontes normativas mais prolixas e generosas do mundo na regulação dos direitos intelectuais. Ao que pode ser atribuído tamanho descompasso?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acho que o Supremo está com um excesso de temas e assuntos para tratar. Não há tempo nem condições de fazer mais do que tem conseguido fazer. Penso que os Ministros estão exauridos em sua força, por trabalho demasiado. É essa a razão para não se debruçarem em outros assuntos, como a propriedade intelectual.

IP IURISDICTIO: Em boa parte das demandas judiciais versando sobre propriedade intelectual os magistrados são auxiliados por peritos que não são servidores públicos. Como em geral os Órgãos do Poder Judiciário não são instruídos em outra prudência/ciência distinta do Direito, o que pode ser feito para maximizar a sindicabilidade (controle qualitativo) dos resultados periciais?

PROF. ANDRÉ FONTES: O novo Código de Processo Civil tomou mais regida a escolha dos peritos. Acredito que foi uma grande contribuição à prova técnica.

De qualquer modo, acredito que professores deveriam ser mais convidados para essa tarefa. Eles tendem a sofrer um controle maior, pela crítica dos alunos e de toda comunidade acadêmica. É o que penso a respeito.

IP IURISDICTIO: Quais as suas impressões sobre as críticas doutrinárias que vem sendo feitas com relação a paulatina erosão dos filtros da propriedade intelectual (originalidade, distintividade, atividade inventiva) em prol de criações com menor “contributo-mínimo”?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acredito fielmente que estejamos em um exaurimento do regime da criatividade em “linha de produção”, como ocorre atualmente.

Imaginar que haverá tantas invenções por ano, todo ano, com a agregação de novos países a gerar mais criatividade pode ser (nada mais do que) uma grande e pura ilusão.

Acredito na ciência e na técnica. Acredito que haverá melhorias a cada ano. Mas, os números farão com que se aperfeiçoe e fiquem menos rígidas as exigências para o registro, por uma dificuldade comparável a de encontrar um grama de ouro em toneladas de cascalho.

IP IURISDICTIO: Quais as suas impressões sobre a importação da Doutrina estrangeira que defende a possibilidade de superposição de Direitos de Propriedade Intelectual (rectius, a pretensão de se obter mais de uma tutela sobre o mesmo fato gerador)?

PROF. ANDRÉ FONTES: Creio que isso não seja verdadeiramente propriedade intelectual. Pode ser outra coisa, como “efeito secundário de uma invenção” ou coisa parecida. Talvez exija um novo estudo ou uma nova técnica jurídica. Falta-nos, entretanto, um novo Pontes de Miranda para essa nobre tarefa.


“No meu entender, a vedação à deslealdade da concorrência se destina a outro tipo de tutela: a de proteger mais amplamente as vítimas da falta de ética nos negócios.”


IP IURISDICTIO: Quais são as mudanças de paradigmas na Teoria da Concorrência Desleal que reputas mais importantes para a realidade nacional?

PROF. ANDRÉ FONTES: Acho que há um defeito de origem nessa Teoria no Brasil. No meu entender, a vedação à deslealdade da concorrência se destina a outro tipo de tutela: a de proteger mais amplamente as vítimas da falta de ética nos negócios. A Concorrência Desleal é a forma subsidiária de proteger, mais amplamente conhecida, de casos de confusão ou outras práticas nocivas contra os empresários, nas situações que a propriedade intelectual não venha a contemplar. A legislação espanhola bem traduz o que penso, de uma concorrência desleal ampla e subsidiária aos limites estreitos da propriedade intelectual.

Em nosso País, parece haver um amalgamento impróprio entre propriedade intelectual e concorrência desleal. E isso se deve a uma legislação que os reúne e os acorrenta, sem que tenha havido muita crítica dos profissionais da área.

IP IURISDICTIO: No tocante ao estudo do compáscuo-imaterial (denominado de commons ou compartilhamento em rede, gerando licenças abertas, os usos inclusivos), como, em sua ótica, compatibilizar esta tendência internacional com o capitalismo liberal e a regulação tradicional da Propriedade Intelectual que é, muitas vezes, exercida de modo excludente?

PROF. ANDRÉ FONTES: A propriedade intelectual é excludente, mas pode não ser exclusiva. Creio que é possível direcionar a exclusividade e limitar seus efeitos. Acho que esse caminho de uma eficácia mais ou menos aberta da exclusividade seja o que trilharemos.

IP IURISDICTIO: Qual o regime de exaustão de Direitos que, em sua opinião, melhor se compatibiliza com um país de economia em desenvolvimento? Como afastar o Brasil da prática nociva dos preços predatórios ou discriminatórios?

PROF. ANDRÉ FONTES: Economia de mercado e devidamente regulada, proteção da livre concorrência, defesa dos direitos dos consumidores, vedação ao abuso de posição dominante e dirigentes políticos mais preocupados com essas questões.

O que os países desenvolvidos fazem deve ser o nosso paradigma, o nosso modelo.

IP IURISDICTIO: As exigências regulatórias nacionais (CNPQ) que impulsionam os professores universitários a publicar em quantidades elevadas, anualmente, é compatível com a proposta desenvolvimentista e inovativa? Até que ponto o utilitarismo de publicações não está engordando o estado da arte e impedindo o uso estratégico da propriedade intelectual em prol dos Brasileiros?

PROF. ANDRÉ FONTES: O currículo lattes e outras características do desenvolvimento tecnológico de nosso País são importantes, mas já estão a se tornar excessivas e, em alguns casos, contraproducente, nos exatos termos da pergunta.

IP IURISDICTIO: Além da atualização da já clássica obra “Pretensão”, de outros tantos artigos jurídicos, quando o grande público pode aguardar um Livro de sua Autoria destinado ao tratamento – exclusivo – do Direito da Propriedade Intelectual? Qual será o tema?

PROF. ANDRÉ FONTES: Pretendo escrever sobre Transferência de tecnologia, em forma de manual ou compêndio.

IP IURISDICTIO: Muito obrigado por seu tempo e paciência no sentido de colaborar para o estudo, a pesquisa e a extensão do Direito da Propriedade Intelectual.


Foto: https://www.tre-rj.jus.br/site/institucional/composicao/mostra_curriculo.jsp?id=117258


ISSN 2509-5692

 

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