Entrevista conduzida por Pedro Marcos Nunes Barbosa
Newton Silveira é Professor Doutor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FADUSP), autor de três obras clássicas (“Direito do Autor no Design” e “Licença de Uso de Marca e de Outros Sinais Distintivos”, editados pela Saraiva; e “Propriedade Intelectual”, editado pela Manole) e é tido pelos seus pares como o acadêmico e o parecerista mais importante da Propriedade Intelectual em São Paulo. Além de seus escritos, crônicas e livros, no ano de 2010 junto com o Professor Doutor Denis Borges Barbosa atualizou o “Tratado da Propriedade Industrial” (3a Edição, Lumen Juris) de João da Gama Cerqueira, que, aliás, foi um dos fundadores do escritório de advocacia que hoje lidera.
IP IURISDICTIO: Tendo tido a oportunidade de cotejar o estudo do Direito Privado pelas lentes do Direito Civil (orientado em seu mestrado pelo falecido Professor Antonio Chaves), mas também pelo Direito Comercial (orientado em seu doutorado pelo falecido Professor Mauro Brandão Lopes), quais as vantagens de enveredamento da Propriedade Intelectual por estes dois “gêneros” da prudência jurídica?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Tradicionalmente o Direito Autoral é considerado como inserido no Direito Civil e a Propriedade Industrial no Direito Comercial. Assim é nos Estados Unidos, na França, no Japão e assim por diante. Lembro-me, no entanto, que na Itália já se chamou de Diritto Industriale a somatória desses dois direitos. Na FADUSP, a Propriedade Intelectual é lecionada na pós-graduação do Departamento de Direito Comercial, por influência da promulgação do acordo TRIPs, o que pode direcionar a matéria para o Departamento da Direito Internacional.
IP IURISDICTIO: Tendo em vista que a FADUSP foi sua alma mater em todos os degraus de sua formação jurídica, quais os professores que mais lhe marcaram (levando em conta, todas as disciplinas cursadas), e por qual razão? Há alguma história merecedora de registro?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Minhas principais influências são os professores de Direito Civil, Antonio Chaves e Walter Moraes, dos quais fui assistente. No Departamento de Direito Comercial sempre fui assistente do Prof. Waldirio Bulgarelli, com quem aprendi muito.
IP IURISDICTIO: Perante o Departamento de Direito Comercial, até a presente data, quais as influências havidas pelos anos em que Tullio Ascarelli esteve a frente da sua cátedra na FADUSP? Qual a maior influência dos escritos do docente peninsular em sua obra?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Tullio Ascarelli nunca foi professor na FADUSP. Sua influência deu-se indiretamente através de seus escritos e pareceres, alguns em colaboração com Gama Cerqueira. Sua principal influência, no entanto, foi na área de Direito Comercial (Sociedades Anônimas e Contrato Plurilateral).
IP IURISDICTIO: A especialização do Poder Judiciário com a criação de Varas e Turmas Federais/Câmaras com atribuição direta na jurisdição do Direito da Propriedade Intelectual foi uma conquista advinda da Lei 9.279/96. Quais os principais avanços que apontarias com relação à experiência do TRF-2 e das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do TJSP?
Não creio ser conveniente juízes de primeiro grau especializados. Vamos deixar que os Tribunais Superiores os corrijam.
PROF. NEWTON SILVEIRA: A especialização do Poder Judiciário na segunda instância do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e das Câmaras Reservadas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu excelente resultado. Grandes nomes de desembargadores se destacaram por sua capacitação na área de Propriedade Industrial.
IP IURISDICTIO: Em sua opinião a ausência de Juízos de Primeiro Grau Especializados em Direito da Propriedade Intelectual no TJSP representa que tipo de impacto nos litígios temáticos?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Não creio ser conveniente juízes de primeiro grau especializados. Vamos deixar que os Tribunais Superiores os corrijam.
IP IURISDICTIO: Qual tem sido o ponto alto e o ponto baixo da atuação da advocacia quanto aos litígios e arbitragens versando sobre a Propriedade Intelectual? Em sua opinião quais são as maiores fragilidades do sistema de perícias judiciais em propriedade intelectual?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Um pouco pela influência da pós-graduação especializada. No Rio de Janeiro e em São Paulo, e também pelas decisões atuais da segunda instância, a advocacia nesses dois polos tem melhorado muito. Já quanto às perícias, salvo raras exceções, a sua atuação é muito precária.
IP IURISDICTIO: Enquanto modalidades da chamada intervenção do Estado na propriedade privada (ex: desapropriação, requisição, tombamento, limitações administrativas) são cotidianamente exercidas pelos Chefes do Executivo de todos os entes federativos, a que fato atribui o parco uso das Licenças Compulsórias nas políticas públicas de produtos estratégicos (como os medicamentos para uso humano, as tecnologias atinentes a alimentos) protegidos por direitos de propriedade intelectual no Brasil?
PROF. NEWTON SILVEIRA: As licenças compulsórias de patentes devem mesmo atuar limitadamente, já que constituem exceção.
IP IURISDICTIO: Na arquitetura regulatória do Direito da Propriedade Intelectual o que poderia ser melhorado para maximizar as transferências tecnológicas e o estímulo ao desenvolvimento de tecnologias disruptivas no Brasil?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Com o perdão do interrogador, a única coisa disruptiva que eu conheço são aquelas das naves KLINGON da Jornada nas Estrelas.
A palavra anglófona “backlog” resulta da vergonha de nossas autoridades de usar a palavra atraso.
IP IURISDICTIO: Quais suas impressões sobre a importância do empoderamento do INPI, a possibilidade da Autarquia ganhar efetiva autonomia financeira (Projeto de Lei do Senado 62/2017), a realização de novos concursos públicos e o problema do acumulo de processos administrativos não julgados (denominado de “backlog” pela importação de uma expressão anglófona)?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Desde o início da Revista Patentes e Marcas, editada pelo meu escritório a partir de 1970, já se discutia a autonomia financeira do INPI e seu primeiro número continha uma reportagem com Clovis da Costa Rodrigues, antigo Diretor Geral do DNPI, propondo tal autonomia. A palavra anglófona “backlog” resulta da vergonha de nossas autoridades de usar a palavra atraso.
IP IURISDICTIO: Quais suas impressões sobre a recente conscientização do CADE (densificada em feitos importantes sobre Direitos Autorais, Abuso do Direito de Petição na seara das patentes e dos Desenhos Industriais) quanto aos possíveis impactos negativos do uso abusivo dos Direitos da Propriedade Intelectual com relação ao Direito Antitruste, bem como a regulação específica da Lei 12.529/2011?
PROF. NEWTON SILVEIRA: É extremamente louvável que o CADE tenha se interessado pelos abusos no campo da Propriedade Intelectual. Espero que muita coisa boa venha daí.
IP IURISDICTIO: Entre as Teses de Doutorado e Dissertações de Mestrado que tiveste a oportunidade de orientar e/ou participar das bancas examinadoras, quais os temas que mais lhe chamaram a atenção?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Muitos temas avançados tem sido objeto de trabalhos de meus orientandos, como, por exemplo, cultivares, abusos de patentes, patentes de segundo uso, nome empresarial e muitos, muitos outros.
IP IURISDICTIO: Que comentários teria a tecer sobre a Ação Coletiva tramitando no TRF-3 acerca da necessidade de inscrição em órgãos classistas para o exercício do múnus de “agente de propriedade industrial”? Qual impressão que tens sobre a ausência de diálogo mais intenso entre as associações classistas e acadêmicas de propriedade intelectual?
PROF. NEWTON SILVEIRA: O Agente da Propriedade Industrial é uma espécie que, antes do Judiciário, a sociedade já deixou para trás. Em minha opinião trata-se de matéria para advogados, eventualmente assessorados por engenheiros quando se tratar de matéria técnica. Em geral, as associações classistas funcionam mais como lobistas e, por isso, a ausência de diálogo.
IP IURISDICTIO: Qual o regime de exaustão de Direitos que, em sua opinião, melhor se compatibiliza com um país de economia em desenvolvimento? Como afastar o Brasil da prática nociva dos preços predatórios ou discriminatórios?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Entendo que a exaustão internacional de direitos é a que mais convém, mas admiro muito a estratégia do legislador ao estabelecer a gradação de exaustão nacional do artigo 43, IV, da LPI para a exaustão internacional no § 3º do art. 68 da mesma lei.
IP IURISDICTIO: As exigências regulatórias nacionais (CNPQ) que impulsionam os professores universitários a publicar em quantidades elevadas, anualmente, é compatível com a proposta desenvolvimentista e inovativa? Até que ponto o utilitarismo de publicações não está engordando o estado da arte e impedindo o uso estratégico da propriedade intelectual em prol dos Brasileiros?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Não acho nada disso. Uma vez o falecido Professor de Direito Internacional, Guido Soares, comentou comigo ser um absurdo que a reitoria da USP exigisse que os professores publicassem pelo menos um artigo jurídico por ano e me perguntou “E você? Quantos artigos publicou?”. Respondi que àquela altura eu já tinha publicado quase quatrocentos artigos, mas não na profundidade dos dele. Quanto mais, melhor.
IP IURISDICTIO: Além da atualização dos três livros mais importantes de sua autoria, de outros tantos artigos jurídicos, quando o grande público pode aguardar um Livro de sua Autoria destinado ao tratamento – exclusivo – do Direito da Propriedade Intelectual? Qual será o tema?
PROF. NEWTON SILVEIRA: Eu sempre brinquei com os meus alunos dizendo que estava escrito na Bíblia: “acautelai-vos do homem de um livro só.” É claro que não está escrito na Bíblia, era só pra estimulá-los, mas, quanto a mim, o meu “Propriedade Intelectual” já está na 5ª edição, sempre com temas novos, o que obriga os alunos a comprar as novas edições. Mas, para os econômicos, publiquei o meu e-book ‘Estudos e Pareceres de Propriedade Intelectual’ no site do IBPI (http://ibpieuropa.org/book/silveira-newton-estudos-e-pareceres), onde pode ser achado e copiado à vontade.
IP IURISDICTIO: Muito obrigado por seu tempo e paciência no sentido de colaborar para o estudo, a pesquisa e a extensão do Direito da Propriedade Intelectual.
Foto: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/seminarios/seminario-patentes-futuro-da-industria-nacional-de-farmacos/fotos-do-evento/06grande.jpg/view
ISSN 2509-5692