O Professor Dr. Marcos Wachowicz (veja aqui seu Currículo Lattes) é bacharel em direito pela PUC-PR (1982), mesma instituição na qual se tornou um especialista em Didática (1991), mestre em direito pela Universidade (clássica) de Lisboa (1989), doutor em direito pela UFPR (2004), e pós-doutor em Direito pela Universidade de Munster (2018). Como professor sua história é repartida entre a UFSC (na qual permaneceu na docência até 2013) e a UFPR (em que desde 2013 expõe, orienta e coordena disciplinas vinculadas aos direitos intelectuais). O Professor Wachowicz é – desde a sua fundação – o organizador do maior congresso acadêmico de Propriedade Intelectual da América do Sul, o Congresso de Direito de Autor e Interesse Público (CODAIP) bem como o líder do Grupo de Pesquisa de Direito Autoral e Industrial (GEDAI).
Entrevista conduzida por Pedro Marcos Nunes Barbosa.
ip-iurisdictio: Como a sua formação do mestrado em Portugal, orientado pelo Prof. Dr. Jorge Miranda, influenciou a sua forma de conceber o Direito Público, sua relação com o Direito Privado, afastando-se de uma ótica em prol do dogmatismo da summa divisio?
Marcos Wachowicz: A realização do mestrado em Portugal na Universidade Clássica de Lisboa foi efetivamente um divisor de águas na minha formação acadêmica. A importância do pensamento jurídico e político da Universidade é de grande amplitude e significado. Basta dizer que o Prof. Dr. Jorge Miranda foi um dos deputados constituintes mais atuantes que erigiram a Constituição Portuguesa, construindo um Estado Democrático com um regime de governo semipresidencialista que existe hoje em Portugal.
ip-iurisdictio: Quais lições, na qualidade de orientando do Prof. Dr. Jorge Miranda, você leva para os seus estudantes e orientandos?
Marcos Wachowicz: O professor Jorge Miranda, constitucionalista, que sempre foi à frente do seu tempo. Com uma visão moderna de um Direito Constitucional para o século XXI e da própria funcionalidade da Constituição, não mais entendida como um texto hermético que se auto limita dentro de uma visão clássica da organização da sua forma, da sua estrutura e de sua organização de poderes do Estado. A visão de Miranda vai muito mais além, a Constituição vem criar um sistema aberto que recepciona o Direito Internacional, com essa visão poderemos superar a crise de vários conceitos erigidos pelo constitucionalismo clássico, que agora estão em erosão, como por exemplo o conceito de Estado soberano.
ip-iurisdictio: Como foi enveredar as facetas privadas do Direito da Propriedade Intelectual em seu doutorado no Brasil, após ser diretamente influenciado pela leitura publicista do Direito em Portugal?
Marcos Wachowicz: A atividade da advocacia conjugada com a docência nos levou a caminhos profissionais que se apresentaram como promissores, assim foi que comecei a estudar há mais de 30 anos as questões empresariais relativas ao desenvolvimento de programas de computador, que pouco se tinha escrito na área do direito.
A leitura publicista do Direito sem dúvida me influenciou nas pesquisas do Direito Comercial, tendo como objeto de estudos as atividades de um agente econômico, cuja atividade deve observar os primados a ordem econômica constitucional. Tendo consequentemente reflexos no entendimento da tutela jurídica da Propriedade Intelectual, que num ambiente empresarial se apresenta como um valioso ativo intangível, que merece proteção como uma vantagem competitiva de um agente econômico no mercado.
ip-iurisdictio: Quais as influências que sua orientadora de Doutorado, Profa. Dra. Márcia Carla Pereira Ribeiro, que lhe impactam positivamente quinze anos depois da conclusão de seu doutoramento?
Marcos Wachowicz: O doutorado que realizei sobre a temática da propriedade intelectual do software numa perspectiva sistêmica da Revolução da Tecnologia da Informação, foi o amadurecimento das leituras publicistas do mestrado, mas agora na construção de uma Sociedade Informacional, na qual as novas tecnologias permeiam todas as formas de organização, produção, distribuição e comunicação na sociedade. A felicidade de ter como orientadora a profa. Dra. Marcia Carla a quem sempre estou grato por seus ensinamentos e pelas leituras sugeridas, nortearam os meus estudos e trabalhos de pesquisa que culminaram com a tese.
ip-iurisdictio: Quais seus cinco livros favoritos de Propriedade Intelectual?
Marcos Wachowicz: Destacar cinco obras é sempre difícil pois, a exclusão das demais sempre estaremos deixando obras igualmente valiosas. Mas teria que apontar títulos cuja a importância reputo ser especial pela dimensão e influência do pensamento: (a) Direito Autoral de José de Oliveira Ascensão; (b) Introdução à Propriedade Intelectual de Denis Borges Barbosa; (c) Tratado de Propriedade Industrial de João da Gama Cerqueira; (d) Direitos Autorais na Computação de Dados de Antônio Chaves; e (e) A informática e os Direitos Intelectuais de Eduardo Vieira Manso.
ip-iurisdictio: Quais seus cinco livros favoritos sobre os temas: Internet, Novas Tecnologias e Inovação – ainda que sem um recorte tão profundo em Propriedade Intelectual?
Marcos Wachowicz: Como disse é sempre difícil, mas teria que apontar títulos cuja a importância reputo ser especial pela dimensão e influência do pensamento que estão contidas nestas obras essenciais para compreensão da Sociedade Informacional: (a) Code and Other Laws of Cyberspace de Lawrence Lessig; (b) As tecnologias da inteligência de Pierre Lévy; (c) Sociedade em Rede de Manuel Castells; (d) A Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn; e (e) A Revolução Informacional de Jean Lojkine.
ip-iurisdictio: Quais foram seus interlocutores acadêmicos sêniores que mais influenciaram suas obras?
Marcos Wachowicz: Aqui eu confesso a sorte de ter encontrado dois grandes juristas na academia, bem como a oportunidade de cultivar por décadas uma amizade, são eles José de Oliveira Ascensão desde os anos 80 e Denis Borges Barbosa desde os anos 90, ambos de uma imensa capacidade de abstração jurídica e de uma generosidade intelectual que influenciaram e marcaram minha carreira como pesquisador e professor.
ip-iurisdictio: Entre os livros publicados (em autoria, coautoria, organizando os textos) quais seus dois favoritos?
Marcos Wachowicz: Dentre os livros publicados os dois que são para mim mais importantes são eles: (a) Propriedade Intelectual & Internet em 2001, no qual como organizador, tive a honra de ter dentre os co autores Lawrence Lessig e José de Oliveira Ascenção, além de outros juristas brasileiros e estrangeiros. Mais recentemente (b) a obra sobre Direito Autoral e Plágio Acadêmico, que está agora para ser lançada a sua segunda edição, a qual é em co-autoria com meu caro amigo José Augusto Fontoura Costa.
ip-iurisdictio: Após uma série de “crises do momento” – para usar uma expressão de seu colega de UFPR, Prof. Dr. Fachin – há algum planejamento em atualizar seu primeiro livro do ano de 2000, “Poder Constituinte e Transição Constitucional”? Em caso positivo, que tipo de Constituição Material temos, e qual sua eficácia social?
Marcos Wachowicz: Este meu primeiro livro foi uma abordagem histórica dos processos de constitucionalização e evolução do Estado brasileiro, refletindo os movimentos políticos envoltos no conteúdo material formal da Constituição do Brasil atual.
Do meu caro professor e colega Edson Fachin, tenho uma passagem que me lembro bem. Há muito tempo, quando era ele Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, lhe presenteei com um exemplar do meu livro “Poder Constituinte e Transição Constitucional”. Isto logo após ao meu ingresso no Programa de Pós-Graduação de Direito da UFPR, no qual desenvolveria meus estudos de doutorado sobre as Tecnologias da Informação e a nova Sociedade Informacional. Me lembro de uma conversa que tivemos em seu gabinete, na qual o meu querido professor Fachin comentou : “Marcos, você continua os estudos do Poder Constituinte, agora além do Direito Constitucional, não mais um “Poder Constituinte” que cria uma Constituição, mas um poder material subjacente na Sociedade da Informação”. De fato, dediquei meu doutorado ao estudo e compreensão jurídica dos novos bens intelectuais, para a construção de um novo direito da propriedade intelectual com vistas ao desenvolvimento da Sociedade da Informação.
ip-iurisdictio: Em sua recente experiência internacional em Munster, que autores e ideias teve contato para a influencia de suas novas obras? Qual tema lhe trouxe maior interesse durante sua imersão acadêmica no frio alemão?
Marcos Wachowicz: O período que estive na Alemanha nos anos de 2018/19, como professor da Cátedra de Direito da Propriedade pelo Instituto de Informação, Telecomunicação e Direito de Mídia (ITM), na Universidade de Munster, sob a supervisão do Prof. Dr. Thomas Hoeren, foi excepcional na troca de experiências e ideias. Tive a oportunidade de ministrar aulas e palestras, das quais destaco a realizada por ocasião do 20º aniversário da Lei de Direito Autoral brasileira, a Lei n. 9.610/98, na qual analisei criticamente o desenvolvimento da lei, especialmente sob o aspecto dos desenvolvimentos de TI modernos. Em particular, as obras multimídia e o desenvolvimento de software colocaram desafios à legislação brasileira, bem como, as comparações com a lei alemã foram particularmente interessantes.
As questões sobre a Proteção Geral de Dados Pessoais, que despertaram grande interesse, bem como suas repercussões inclusive nos Direitos Intelectuais, eram debates que realizamos também durante a minha estada na Alemanha. Os estudos culminaram numa obra coletiva, lançada em 2020, sobre “PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS EM PERSPECTIVA: LGPD e RGPD na ótica do direito comparado”. Ela é fruto de trabalho de pesquisa desenvolvido pelo Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI com pesquisadores do ITM.
ip-iurisdictio: Este ano o CODAIP chegará à sua 15a Edição. Quais as vicissitudes na estrutura e na função do Congresso que você aponta como interessantes após o período das intensas participações do Prof. Dr. Denis Borges Barbosa e do Prof. Dr. José de Oliveira Ascensão?
Marcos Wachowicz: Com muita saudade destaco a importância de Denis Borges Barbosa desde o primeiro momento. Em nossas conversas ele me dizia que a importância do estudo da Propriedade Intelectual tem sua maior relevância pelo interesse público. Por esta afinidade de pensamento é que surgiu o CODAIP, como um Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, com foco central nas novas tecnologias e desafios da Sociedade Informacional.
Já o nosso querido professor Ascensão, participou ativamente da primeira até a décima edição, sempre com sua palestra de abertura que dava conta da temática central do congresso. E assim o fez até onde a sua saúde lhe permitiu. Foi no 10º CODAIP sua realizada última palestra no Brasil, que está disponível no site do GEDAI.
É uma imensa saudade desses dois grandes juristas que marcaram e continuaram marcar gerações de pesquisadores, tal foi a força de suas ideias e o ineditismo de suas concepções doutrinarias.
Neste ano de 2021, no XV CODAIP, haverá uma homenagem ao Prof. Dr. Denis Borges Barbosa, pelos já cinco anos de seu falecimento, faremos o lançamento de uma obra coletiva com a contribuição de juristas nacionais e estrangeiros.
ip-iurisdictio: Qual sua opinião sobre a especialização de Juízos Federais (JFRJ/TRF-2) e Estaduais (TJSP, TJRJ e TJRS) em Propriedade Intelectual?
Marcos Wachowicz: O Direito da Propriedade Intelectual, seja pela esfera do Direito Autoral como pelo Direito Industrial, é muito pouco estudado nas Faculdades de Direito no Brasil. Portanto a necessidade de uma formação complementar a nível de Pós-graduação, seja lato ou stricto senso, é absolutamente necessária para capacitação de todos os profissionais da área do direito.
Assim é que, da mesma forma, a especialização de Juízos Federais (JFRJ/TRF-2) e Estaduais (TJSP, TJRJ e TJRS) em Propriedade Intelectual é muito bem vinda, em minha opinião, pois ter-se-á uma prestação jurisdicional do Estado de melhor qualidade técnica e especializada.
ip-iurisdictio: Ao que atribui a tímida participação da magistratura em eventos relevantes como o CODAIP?
Marcos Wachowicz: O CODAIP é um evento acadêmico aberto a todos os segmentos profissionais da área jurídica e tecnológica afeta aos temas dos Direitos Autorais. Em edições anteriores já tivemos participações da magistratura, como agora me recordo, do Ministro Sérgio Luis Kukina e do Desembargador André Fontes que é tido como um dentre os magistrados brasileiros com o maior domínio intelectivo do Direito da Propriedade Intelectual. A importância da magistratura em evento acadêmicos é sempre enriquecedora.