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Who stole my history ? – Um texto de Paulo Coelho e um Comentário

Who stole my history?[1]

Paulo Coelho[2]

When I was active on Myspace (I am not anymore), “Fly me to the moon” (Frank Sinatra) was deleted from my profile.

So who deleted the song? The answer is simple: greed and ignorance.

Greed that does not understand that this world has changed. Ignorance that thinks that, if the music is available for free, people are not going to buy the CD.

a) some will say :

you are rich enough to afford having your texts here for free.

It is true that I am rich (as were Frank Sinatra, and his heirs), but this is not the point. The point is that we want to first and foremost SHARE something. If you go to most of the pages, what will you see? Fantastic pictures, great blogs, amazing photos. For free. My texts are for free here. And you can reproduce them anywhere provided that you name the author.

b) The industry will say:

artists cannot survive without being paid. 

But the industry is thinking on the opposite direction of our reality today. I follow Hilal[3] on Twitter (even if she tweets once a year…). Hilal is from Turkey, but lives in Russia (and she is the main character in ALEPH[4]). She first read a pirate edition of “The Alchemist”. Hilal download the text, read it, decided to buy the book. Up to today, I have over 12.000.000 hard copies sold in Russia, and counting.

c) I also decided to create “The Pirate Coelho”, an non-official fan page that allows people to download the full texts in different languages. I am selling more books now than ever. (Where is it? Well, not difficult to find…)

d) How did all these social communities start?

At first it was just wanting to chat with another person. But chatting isn’t enough – we have to share the music, the book or the film that we love. When there was no law against it, this information was exchanged freely. Finally, when the entertainment industry caught on, the repression began.

e) Art is not an orange.

If you buy an orange and eat it, you have to buy another one, and then it makes sense that oranges should not be given for free, because the consumer consumes the product. Art is about beauty. Music is about beauty. If I visit a page and I like the music, I am sure I will buy the CD, because I want to know more about the work of the artist.

f) A woman went to a market and saw two jars.

She asked the vendor for the price: “ten coins”, he answered.

The woman was surprised: “but one of these jars has been painted by an artist!”

The vendor replied: “I am selling jars. Beauty has no price.”


[1] Publicado originariamente em http://paulocoelhoblog.com/2011/04/28/who-deleted-the-song-in-my-profile. Pelo hábito do ofício, pedimos ao autor autorização para a reprodução do texto em tela, que ele nos deu, lembrando ter sido o pedido desnecessário, posto ser ele adepto da difusão livre de conteúdos

[2] Paulo Coelho é escritor.

[3] http://twitter.com/#!/aarthilal

[4] http://paulocoelhoblog.com/2011/03/02/portugal-1/


Comentário

[Karin Grau-Kuntz]

O romancista espanhol Javier Marías, discorrendo sobre a relação entre autor e criação intelectual, afirmou em uma coluna do jornal El País publicada em janeiro de 2008 que, se não fosse pela garantia do direito de autor, não se aventuraria a escrever linha qualquer ou, se as escrevesse, com certeza não as publicaria. Em alusão ao americano Salinger, o escritor espanhol completou observando que, faltando a garantia de proteção exclusiva, preferiria deixar seus textos em uma gaveta e aguardar a chegada de “de tiempos más respetuosos y menos saqueadores”.[1]

Se na ausência de garantia legal de exclusividade o autor espanhol deixaria, de fato, seus escritos inéditos, depositando-os em uma gaveta, isso ponho em dúvida. Admita-se, contudo, que agisse dessa forma. Tenho fortes razões para presumir, se fosse mesmo assim, que sentiria grande agonia ao decidir por não comunicar seus escritos. É que o ato de criar intelectualmente nada mais é do que um ato de comunicação. O homem comunica criando, não só porque almeja a interação social (o homem é um ser social) – uma interação que, por certo, poderia ser racionalmente controlada com o depósito dos escritos em uma gaveta –, mas também porque almeja sua definição como indivíduo por meio da comunicação, o que suponho não ser racionalmente controlável.[2]

Em outras palavras, o homem cria intelectualmente para satisfazer um desejo de interação social e para, principalmente, através de suas criações intelectuais, preservar a própria consciência, definindo-se como indivíduo face ao coletivo.

No texto acima reproduzido o romancista Paulo Coelho confirma o que sustento: quem cria intelectualmente quer comunicar algo (“share something”); o desejo de definição individual do autor, em uma estrutura social que valoriza o indivíduo, é satisfeito pelo reconhecimento da paternidade sobre a criação (“provided that you name the author”).

O simplismo da chamada “teoria do incentivo”, levada às suas últimas consequências nas declarações do autor espanhol Javier Marías, que pressupõe haver criação intelectual apenas se e quando a ela houver contrapartida econômica, torna-se evidente quando consideramos a natureza comunicativa da criação intelectual.

Muito mais grave porém do que a estrutura simplista – que naturalmente revelar-se-á na pobreza dos resultados de análises feitas a partir do filtro da teoria em questão – é o fato de a ideia do incentivo econômico alimentar crença no sentido de que os autores estariam juridicamente legitimados a manter uma relação de despotismo sobre as suas criações intelectuais, o que, por sua vez, roubaria delas o valor comunicativo e cultural, além da autonomia estética.

Insistindo nesse ponto, a condição de ser criação intelectual não se circunscreve à circunstância de ser criação de alguém, mas pressupõe um terceiro elemento, os destinatários da expressão contida na criação intelectual. Enquanto limitada a uma relação com o autor, a criação intelectual não é dotada de valor comunicativo nenhum (comunicar algo pressupõe a exteriorização a alguém) e também não interessará ao direito de autor, posto que este exige sua exteriorização para que seja considerada “obra”.[3]

A idéia de um vínculo insuperável entre autor e criação intelectual afasta qualquer interação entre criação intelectual e público (os destinatários). Ao adotar-se este entendimento exclui-se da obra criada aquilo que faz dela o que é.

Ao defender uma relação radical entre autor e criação intelectual – que se expressa na ameaça de privar o mundo de suas criações intelectuais – Javier Marías lesa não apenas a coletividade, que sofreria com a não publicação de seus trabalhos uma perda cultural, mas também a si mesmo. Pois, por um lado, deixaria de satisfazer seu impulso comunicativo (desvantagem psicológica) e, por outro, não venderia livro algum, o que traduziria uma desvantagem patrimonial.

Na contramão, Paulo Coelho optou por considerar o público como parte da relação que tem na criação intelectual o seu centro e passou a disponibilizar digitalmente seus escritos. Agindo desta forma, satisfez seu impulso comunicativo, o que, conforme diz ele, não significou desvantagem patrimonial alguma (muito pelo contrário, ele nunca vendeu tantos livros como agora).

É preciso pensar com seriedade sobre o assunto. Os modelos de argumentação que partem do princípio de que só se cria intelectualmente quando é possível aferir vantagem econômica e que o consumidor só pagará pelo acesso à obra intelectual se a tanto for forçado são inconsistentes.

Mas o texto de Paulo Coelho ainda inspira outras conclusões.

O conteúdo da criação intelectual objeto de comunicação é independente (salvo aquelas que restam depositadas na gaveta ou na mente do autor). Criação intelectual nenhuma permanece vinculada, como um acessório, ao seu criador e/ou às suas intenções. Impõe-se então observarmos a interação entre o destino comunicativo de toda criação intelectual e a manifestação em sua mais pura forma do seu valor cultural, i.e. cumpre interpretarmos o texto aqui reproduzido.

O valor cultural da obra está na interpretação. A obra comunica uma mensagem que é recebida pelo destinatário e por ele incorporada intelectualmente. Por isso a cultura é um espaço erguido por muitas mãos e é equivocado comparar-se a exclusividade da criação intelectual com um bem material, qual uma casa. O construtor da casa molda os tijolos de barro, o criador da obra tira os “tijolos” da obra que cria do mesmo lugar para o qual enviará sua obra: o patrimônio cultural. Dai ser impossível equiparar-se uma obra intelectual a um bem material e/ou falar em domínio do autor sobre a criação. O autor merece ser remunerado pelo seu trabalho, mas não domina a obra, como domina, o proprietário, a casa.

O que desejo afirmar é isto: interpretarei o texto do Paulo Coelho dizendo algo, sobre o texto, que Paulo Coelho não disse diretamente. Em verdade eu é que atribuo a ele o que resulta da minha interpretação do seu texto. O interpretar, aqui, é puro desdobramento do valor cultural do texto, a comprovar que o texto não está vinculado ao Paulo Coelho, sendo livre e interagindo comigo, destinatária dele.

Quando Paulo Coelho defende o compartilhamento livre de conteúdos no meio digital não nega o direito de autor. O fato de afirmar que Hilal primeiro leu uma edição “pirata” de “O alquimista” para depois decidir comprar o livro me convence disso. O modelo de vendas de livros, fonte de remuneração do trabalho de Paulo Coelho, depende de um mecanismo legal específico para que seja viável. Mas – assim como se dá com as jarras mencionadas no texto, que são vendidas pelo seu valor enquanto jarras pintadas (jarras mais o trabalho do pintor) e não pelo que elas têm de pintura (aqui o valor comunicativo e cultural da pintura) – Paulo Coelho sabe que, se o trabalho do autor deve e precisa ser remunerado, isso não implica defender a extensão de uma prerrogativa de controle sobre o caráter de manifestação comunicativa e cultural, tampouco sobre a independência estética da criação intelectual.

Abre-se aqui um dos pontos centrais da discussão moderna sobre o direito de autor.


[1] http://www.elpais.com/articulo/portada/Tiempos/saqueadores/elpepusoceps/20080106elpepspor_11/Tes. Javier Marías comete na coluna em tela, um equívoco comum àqueles que ignoram o que seja o direito de autor, nomeadamente equipara a relação jurídica entre autor e obra à relação jurídica entre um sujeito de direito de propriedade e um bem material.

[2] No presente Comentário reproduzo, de forma livre, o que internalizei através da leitura de trabalhos de vários autores, de forma que não é possível indicar com precisão com quem aprendi o que acima afirmo. Reporta-se assim, à literatura abrangente: vide, entre outros SEEL, apud WILD, Georg. Von der statischen Einmaligkeit zum soziologischen Werkbegriff – Zum 35-jährigen Publikationsjubiläum von Max Kummers „Das urheberrechtlich schützbare Werk“; Sic! 1/2004, 61, pág.4, disponível aqui; ADORNO, Theodor W. Engagement, in o mesmo, Noten zur Literatur, Frankfurt a.M., 1974. Vide, ainda, os trabalhos de Paul Watzlawick, especialmente Menschliche Kommunikation: Formen, Störungen, Paradoxien (1969).

[3] Distingue-se, neste passo, exteriorização e comunicação . O texto escrito e depositado na gaveta (inédito) é exteriorizado e, portanto, protegido pelo direito de autor. Tal proteção, porém, só ganhará relevância prática, no momento em que seu conteúdo é de alguma forma comunicado.


O texto presente foi publicado pela primeira vez na Revista Eletrônica do IBPI Nº 4.


Karin Grau Kuntz – Doutora e mestre em direito pela Ludwig-Maximilians-Universität München; Würtenberger Rechtsanwälte (München)


ISSN 2509-5692

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