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Apple and Pear Australia Ltd e Star Fruits Diffusion contra Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia – EUIPO – Pink Lady vs English Pink

por Karin Grau-Kuntz

Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia no processo C-226/15 P de 21 de julho de 2016

As empresas Apple and Pear Australia Limited (APAL) e Star Fruits Diffusion são cotitulares de diversas marcas comunitárias utilizadas no comércio voltadas a assinalar produtos da classe 31, especialmente maçãs e macieiras. Trata-se aqui das conhecidas maçãs “Pink Lady”.

As empresas mencionadas, doravante denominadas Recorrentes, iniciaram dois processos distintos com vista a impedir a utilização do sinal nominativo “English Pink” pela empresa belga Carolus BVBA, oferecido ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia – EUIPO a registro em 14 de outubro de 2009.

Invocando um risco de confusão entre os sinais em questão e defendendo que o sinal oferecido a registro pela concorrente Carolus BVBA carcaterizaria uma ação parasitária em relação a reputação de suas marcas anteriores, as Recorrentes apresentaram  ao EUIPO oposição ao registro comunitário da marca nominativa “English Pink”. Concomitantemente iniciaram perante um tribunal belga, que cumpre função como tribunal de marcas da União Europeia, ação contra a mesma empresa por contrafação da sua marca nominativa comunitária “Pink Lady”, ante ao registro nacional (Benelux) do sinal “English Pink”.

Desses dois processos resultaram duas decisões distintas sobre o risco de confusão entre a marca nominativa comunitária anterior “Pink Lady” e o sinal nominativo “English Pink”. Se, por um lado, por decisão de 27 de maio de 2011 a Divisão de Oposição do EUIPO rejeitou a oposição, por decisão de 28 de junho de 2012, a seu turno o Tribunal de Comércio de Bruxelas, como mencionado atuando como tribunal de marcas da União Européia, decidiu anular o registro da marca nacional Benelux “English Pink”, proibindo, em sequência, a empresa Carolus BVBA de utilizá-lo no território da União Europeia.

No trâmite da oposição apresentada ao EUIPO as Recorrentes apelaram à Câmara de Recursos daquele órgão , comunicando por carta de 4 de julho de 2012 a decisão proferida pelo Tribunal de Comércio de Bruxelas e informando, em sequência, por carta de 29 de agosto de 2012, que a empresa Carolus BVBA tinha aquiescido à decisão, de forma que esta teria se tornado definitiva.

A Quarta Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso interposto pelas Recorrentes, salientando que não existiam semelhanças entre as marcas em conflito nos planos visual, conceptual e fonético e concluindo, assim, pela inexistência de risco de confusão. Ainda, ressaltou não terem as recorrentes logrado comprovar a alegada reputação associada pelo público aos sinais anteriores.

Invocando a instância europeia superior, as Recorridas interpuseram, através de petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de julho de 2013, um recurso em que pediram que a decisão proferida pela Quarta Câmara de Recurso do EUIPO fosse, a título principal, reformada e, a título subsidiário, anulada. Para tanto reclamaram, em linhas gerais, a não consideração do acórdão proferido pelo Tribunal de Comércio de Bruxelas invocando, por fim, o princípio da força da coisa julgada.

O Tribunal Geral entendeu que a decisão controvertida deveria ser anulada, posto não ter tomado em consideração o acórdão do Tribunal de Comércio de Bruxelas de 28 de junho de 2012, um fator relevante para a resolução do caso.

No que se refere aos pedidos destinados a obter a reforma da decisão controvertida, o Tribunal Geral considerou faltar as Recorrentes razão quanto ao entendimento de que a decisão do Tribunal de Comércio de Bruxelas teria efeito de coisa julgada, pois que uma decisão proferida no âmbito de um tribunal nacional fazendo vezes de tribunal de marcas da União Europeia em uma ação de violação de direito de marcas europeia não teria valor de coisa julgada para as instâncias do EUIPO em processos de oposição relativos a registro de marca comunitária. Isso seria ainda mais verdadeiro ao consierar que a decisão do Tribunal de Comércio só teria efeitos em relação à marca nacional Benelux. Ainda, não tendo a Câmara de Recurso do EUIPO tomado em consideração a referida decisão e não tendo apreciado as suas eventuais repercussões na solução do litígio, o Tribunal Geral entendeu não estar em condições de determinar o teor da decisão que essa Câmara de Recurso deveria ter tomado e, consequentemente, decidiu estar impedido para exercer o seu poder de reforma.

Inconformadas com a decisão proferida pelo Tribunal Geral as recorrentes recorreram ao Tribunal de Justiça Europeu, pleiteando i) a anulação do acórdão da instância inferior na parte em que negou provimento ao seu recurso, ii) a reforma da decisão controvertida e iii) a condenação do EUIPO no pagamento de todas as despesas das recorrentes relacionadas ao processo.

Como fundamento do pedido alegaram, entre outros, violação do princípio da força de coisa julgada, violação dos princípios gerais da segurança jurídica, da boa administração e da proteção da confiança legítima.

A seu turno o EUIPO pediu ao Tribunal de Justiça que negasse provimento ao recurso e que condenasse as empresas Apple and Pear Australia e a Star Fruits Diffusion no pagamento das despesas.

Em acórdão de 21 de julho de 2016 o Tribunal de Justiça destacou, em um primeiro passo, não haver nenhuma disposição na legislação europeia nos termos da qual as instâncias do EUIPO, no âmbito do exercício das suas competências em matéria de registro das marcas europeias, estariam vinculadas a uma decisão de um tribunal de marcas da União Europeia pronunciada no âmbito de uma ação por contrafação, mesmo que definitiva. Do título IV do Regulamento n.° 207/2009 relativo ao processo de registro de uma marca europeia o Tribunal depreendeu a competência exclusiva do EUIPO em matéria de registro e de oposição a registro de marca.
Dessa forma concluiu acertada a referência feita pelo Tribunal Geral no sentido de que o EUIPO seria a única instância habilitada pelo legislador da União a examinar os pedidos de registro e, por conseguinte, para autorizar ou recusar o registro de uma marca europeia. A inexistência de disposições que prevejam que as instâncias do EUIPO, quando exercem a sua competência relativa ao registro de uma marca da UE ou à oposição a esse registro, estejam vinculadas por uma decisão definitiva de um tribunal de marcas da UE é, assim, consequência da natureza exclusiva de suas competências neste domínio.

A seguir o Tribunal passou a considerar a importância, seja na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais, do princípio da coisa julgada. Destacou que a fim de garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça seria necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após o esgotamento das vias de recurso disponíveis,  ou após  decorridos os prazos previstos para tais recursos, não possam ser impugnadas. Seguindo em sua análise lembrou que, apesar do Regulamento n.° 207/2009 não definir expressamente o conceito de “força do caso julgado”, decorre de suas disposições que este exige, para que as decisões de um órgão jurisdicional de um Estado Membro ou do EUIPO que se tornaram definitivas tenham força de coisa julgada e possam, assim, vincular esse órgão jurisdicional ou o pr´oprio EUIPO, que os processos paralelos que corram perante estes tenham i) as mesmas partes, ii) o mesmo objeto e iii) a mesma causa.

Determinados os critérios da identidade entre partes, objeto e causa, apassou-se a analisar a presença deles nos processos que correram diante do Tribunal de Comércio de Bruxelas e da Quarta Câmara de Recurso do EUIPO.

Apesar da coincidência das partes, consta no acórdão em análise, as pretensões nos processos mencionados não teriam sido idênticas. Enquanto o objeto da ação por contrafação intentada diante do Tribunal de Comércio de Bruxelas era a anulação da marca Benelux “English Pink” e a proibição de utilização deste sinal no território da União Europeia, o processo que correu junto ao EUIPO tinha por objeto a oposição ao registo da marca europeia “English Pink”.

Verificada a não coincidência dos objetos, o Tribunal de Justiça concluiu não ter o Tribunal Geral cometido  erro de direito: uma vez que os requisitos relativos à identidade das partes, do objeto e da causa são cumulativos, a constatação da falta de um deles é suficiente para concluir pela inexistência de força de coisa julgada na decisão proferida pelo Tribunal de Comércio de Bruxelas em relação à decisão controvertida da Quarta Câmara de Recursos do EUIPO. Em outras palavras, o EUIPO não estava vinculado em sua decisão ao acórdão proferido pelo Tribunal de Comércio de Bruxelas. Isto posto foi negado provimento ao recurso interposto em sua totalidade.


Comentário

A marca “Pink Lady” é empregada no comércio para assinalar maçãs da variedade vegetal de macieira “Cripps Pink”, cultivar produzida e consumida em escala mundial. Diante disto não surpreende a reação das empresas Apple and Pear Australia Limited (APAL) e Star Fruits Diffusion em face do pedido de registro do sinal “English Pink”, escolhido pela empresa Carolus BVBA para assinalar produtos idênticos àqueles assinalados pelas marcas das Recorrentes.

Em linhas gerais, o caso em comento versou sobre o importante conceito da força da coisa julgada ao tratar em que medida o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia – EUIPO estaria vinculado em um processo de oposição ao registro de uma marca comunitária a uma decisão definitiva proferida por um tribunal de marcas da União Europeia na sequência de uma ação de contrafação de uma marca europeia anteriormente registrada.
Como acima narrado, o Tribunal de Justiça entendeu que as decisões de um órgão jurisdicional de um Estado Membro ou do EUIPO que se tornaram definitivas só teriam força de coisa julgada e, assim, seriam capazes de vincular esse órgão jurisdicional ou o EUIPO, na hipótese dos processos paralelos coincidirem quanto as partes, objeto e causa.

No âmbito da discussão sobre a identidade de objeto perante o Tribunal de Justiça as recorrentes argumentaram que os processos em questão teriam o mesmo objeto, ainda que os pedidos tenham sido formalmente diferentes. Nesse sentido defenderam a posição de que ambos os pedidos apresentados ao Tribunal de Comércio de Bruxelas e à Câmara de Recursos do EUIPO visavam fazer reconhecer os prejuízos que o sinal “English Pink” causaria aos seus direitos exclusivos calcados nas marcas anteriomente registradas.

O Tribunal de Justiça, a seu turno, rejeitou a argumentação das Recorrentes lembrando que o pedido de registro de uma marca visa, por óbvio, o seu registro, i.e. é a “aquisição” da marca na União Europeia e, nessa linha, a oposição ao registro visa impedir essa aquisição, e não fazer reconhecer os prejuízos que o sinal posterior causaria aos direitos exclusivos das recorrentes sobre sinais anteriormente registrados. Por outro lado, por meio da ação de contrafação as recorrentes procuraram alcançar do Tribunal de Comércio de Bruxelas a anulação do registro da marca nacional (marca Benelux) da empresa Carolus BVBA e, alegando risco de confusão, a proibição de utilização deste sinal no âmbito da União Europeia. Apenas aqui seria acertada a argumentação de que a ação visaria ser constatada a responsabilidade do contrafator na violação dos direitos exclusivos das recorrentes.

Porém,  mesmo que assim não o fosse, um outro argumento daria suporte ao entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça: se o EUIPO tem prerrogativa exclusiva em relação a decisões que versam sobre registros e oposições de marcas comunitárias então, ante a este fato, o objeto de uma ação apresentada a um Tribunal de Marcas da União Europeia não poderá ter o mesmo objeto de processos propostos ao EUIPO, i.e. registro e/ou oposição de marca europeia, posto aquela jurisdição não ser competente para decidir sobre registro e/ou oposição de marca europeia.

Se do ponto de vista argumentativo a decisão porferida pelo Tribunal de Justiça faz sem dúvida sentido, causa  do ponto de vista práticodesconforto, um certo desconforto.

Por uma porque deixa evidente a dimensão do problema causado por entendimentos diversos por partes de instâncias examinadores: enquanto o Tribunal de Comércio de Bruxelas entendeu ver na utilização do sinal “English Pink” para produtos da classe 31 um risco de confusão, o EUIPO adotou posição diametralmente oposta, entendendo que os sinais registrados das recorrentes e o sinal oferecido a registro pela Carolus BVBA poderiam conviver sem maiores problemas no mercado, mesmo e apesar de assinalarem produtos idênticos.

Por outra porque, enquanto é possível ao titular de uma marca recorrer e alcançar de um Tribunal de Marcas da União Europeia um título que proiba a utilização de um sinal posterior no território da União Europeia, este título poderá subsequentemente restar completamente esvaziado se o EUIPO, em procedimento paralelo, não adotar posição idêntica àquela adotada pelo órgão jurisdiconal.

No curso da batalha legal travada entre os sinais “Pink Lady” e “English Pink” é de se presumir que com a decisão do Tribunal de Comércio de Bruxelas em mãos as empresas Apple and Pear Australia Limited (APAL) e Star Fruits Diffusion tenham estado seguras de que o processo junto ao EUIPO teria se tornado um caso de mera formalidade. Um ledo engano.


Karin Grau-Kuntz é doutora e mestre em Direito pela Ludwig-Maximillians-Universität (LMU), Munique, Alemanha.


Foto: Karin Grau-Kuntz


ISSN 2509-5692

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