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Patentes e Políticas Públicas: o futuro do INPI após o julgamento da ADI 5529 pelo STF

[Pedro Marcos Nunes Barbosa; Ruy Pereira Camilo Junior]

Em artigo publicado na Folha de São Paulo no dia 08.06.2021, os professores da USP Floriano Marques e Humberto Ferraz (doravante Marques & Barros) se mostraram descontentes com a correta decisão do STF no feito em que se extirpou da ordenação nacional dispositivo de Lei que permitia uma – considerável – procrastinação à data de domínio público das tecnologias de natureza utilitária. Segundo aqueles autores, a sociedade brasileira muito perdeu com tal decisão. Não é este o entendimento de grande parte da academia[1], das organizações sociais, dos defensores do meio-ambiente, das políticas públicas de saúde (inclusive do Ministério pertinente[2]), e, claro, da concorrência.

O finado parágrafo único, do art. 40 da Lei 9.279/96, gerava graves distorções na economia e na liberdade de iniciativa e concorrência. Por exemplo, tal resultava que, em alguns casos, produtos que se encontravam à disponibilidade competitiva em países vizinhos (e no eixo Norte) há quase uma década seguissem interditados aos não- proprietários de patentes no Brasil. Pagar mais caro, por mais tempo, para utilizar tecnologias obsoletas no exterior parecia a solução adequada aos defensores do tipo reconhecido como inconstitucional por um placar mais elástico (9×2) do que o Brasil vs. Alemanha na fatídica Copa do Mundo de 2014.

Porém, o que mais chama a atenção na saudável crítica à decisão do Pretório Excelso é a ênfase no prazo levado pelo INPI para concluir sua análise administrativa de pedidos de patente. Segundo Marques & Barros o hiato levado pela autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia para dirimir o pleito administrativo seria inaceitável, e resultaria em uma amputação do tempo de tutela do dono da patente. No entanto, o texto (dos prestigiados autores) é silente sobre o direito de compensação retroativa assegurado ao titular da parente pelo uso indevido da invenção, no período entre a publicação do pedido e a concessão do título, reconhecido pelo artigo 44 LPI. Este interregno, portanto, não constitui um vácuo jurídico, ou um período em que esteja liberada e consentida atos ilícitos: quem ali se serviu indevidamente da inovação alheia, compensará o proprietário da tecnologia, tão logo seja reconhecida a patente.

Apesar de não terem (Marques & Barros) feito uma proposta clara de solução do problema da incontroversa demora da autarquia no exame de patentes, mantendo-se as atuais “condições normais de temperatura e pressão”, podem-se enxergar dois caminhos possíveis. No primeiro cenário (o distópico), a celeridade administrativa (característica bem vinda na forma dos artigos 5º, LXXVIII, e 37º, cabeça, da CRFB) seria priorizada independentemente do mérito do resultado. Há, inclusive, uma maliciosa piada da caserna que resumiria o cenário: fazer algo “ao modo da cavalaria”. Neste contexto, nada surpreenderia que o heroico corpo de examinadores do INPI viesse a receber dos órgãos políticos metas de produção irrealizáveis, que resultariam na erosão qualitativa dos exames, na mera ratificação de análises feitas no exterior, ou até mesmo em formas de limitação de verbas remuneratórias acessórias como sanção ao descumprimento do quantitativo fixado. Decidir muito, deveras, não significa decidir bem e políticas dessa sorte tenderiam à judicialização e à inflação de patentes podres que, ilegitimamente, interditam mercados.

Por sinal, o sistema nacional pós Constituição de 1988 já conhece formas exóticas (quiçá, inconstitucionais) de se priorizar velocidade à qualidade no ambiente da propriedade intelectual: (a) as patentes de revalidação (pipelines que de tão inconstitucionais geraram a impecável ADI 4234 proposta pela PGR em 2009 e que, até hoje, aguarda julgamento do STF), (b) os desenhos industriais registrados sem exame de mérito, e (c) as marcas de alto-renome da listagem elaborada pela FIFA e COI. Nenhum desses exemplos corrobora com a finalidade da tutela da propriedade intelectual no Brasil (art. 5º, XXIX, da CRFB), ou promoveu os valores tidos como relevantes pelos articulistas Marques & Barros.

O segundo caminho possível diante da CNTP é a terceirização da atividade dos servidores. Em geral, sentem-se confortáveis com esta ideia aqueles que (1) não se inquietam com  a despersonalização de atividades estratégicas do Estado na prestação de serviços públicos, ou (2) creem na maior eticidade e produtividade da iniciativa privada. Contudo, aqui há um enorme risco de conflitos de interesses, já que estará em jogo a geração de títulos que por duas décadas autorizariam a remessa de realezas ao exterior via BACEN. De outra parte, despreza-se aquilo que é mais valioso para patentes de invenção bem examinadas: a presunção de validade, legalidade e legitimidade dos atos administrativos. Patente boa é aquela que (além de, porventura, cotejar tecnologia meritoriamente disruptiva) é bem escrutinada por quem goza de fé- pública.

Nenhuma das duas soluções acima cogitadas seria produtiva aos demais núcleos de interesses afetados pela concessão de uma patente. Só o dono da patente sairia feliz com tal resultado em prol da celeridade processual. Aliás, as universidades brasileiras, mais consumidoras de tecnologias alheias do que produtora, seriam profundamente afetadas.

Por tais razões, talvez o capítulo mais rico da sentença do Relator Dias Toffoli seja aquele que constata o chamado “Estado de Coisas Inconstitucional”. Nele foi reconhecido, com precisão, que o problema da crônica falta de pessoal, da insuficiência das estruturas ou da falta de uma política pública focada na eficiência deste serviço público é algo existente desde os primórdios do Estado Brasileiro (da Real Junta do Commercio, passando pelo Departamento Nacional da Propriedade Industrial, até chegar ao atual INPI). Com tal fundamento, o Ministro Toffoli propunha uma alteração das CNTP pertinentes.

Em meio aos debates no plenário, por inteligente solução do Ministro Alexandre de Moraes, tal constatação acabou sendo excluída do capítulo de sentença do dispositivo e incorporada na fundamentação. O cerne da constatação de uma grave causa de ineficiência administrativa acabou restando como obiter dictum do julgado. Logo, mesmo sem ser vinculante aos administradores e administrados, tal perspectiva ilustra e persuade qual deve ser o futuro do INPI. Aliás, a manutenção de posturas omissivas e ineficientes junto à autarquia tão estratégica ao desenvolvimento nacional pode – em tese – gerar sanções por improbidade administrativa.

Para que o INPI esteja acorde aos valores constitucionais correntes é preciso (i) ter 100% de ocupação de seu corpo de servidores, e não apenas os 52% informados pela própria Autarquia; (ii) que os examinadores sejam valorizados, tenham seus subsídios majorados, e que se façam novos concursos exigindo a titulação stricto sensu mais elevada possível; (iii) que a estrutura de informática, de acesso à bases de dados, e a segurança cibernética reforçada, evitando os costumeiros problemas no sítio virtual da autarquia; e (iv) que a qualidade dos exames seja mantida ou até melhorada, sem prejuízo de se buscarem formas legítimas de maximização da velocidade decisória.

Portanto, não é a imposição de prazos cogentes ou impróprios que deva lastrear novas políticas públicas para o depauperado e – simultaneamente – lucrativo (para a União) INPI. Tal sugestão levaria a um, dentre dois males: ou a um exame de afogadilho e superficial, ou a uma concessão automática e cega do privilégio patentário, por mero decurso de prazo, sem a aferição adequada do atendimento dos rigores legais.

Como dizia, H.L. Mencken, para todo problema complexo, existe uma solução simples, elegante e completamente errada. Impor prazos sem criar condições materiais para seu atendimento significará tornar o processo de exame uma ¨faz-de-conta¨, investindo não na qualidade, mas na frouxidão na concessão de títulos. Tal proposta colocaria o interesse privado daquele que se arvora como titular de tecnologia inovadora – mesmo sem comprovar sua patenteabilidade – sobre o interesse público primário, que, na lição de Renato Alessi, é aquele da coletividade.

Diz o velho brocardo jurídico que quem quer os fins, quer os meios. Aqueles que corretamente vociferam contra a demora do INPI no desempenho de suas funções devem empregar suas energias no restabelecimento das condições materiais, pessoais, técnicas e financeiras para que a autarquia possa desempenhar com eficiência sua missão legal.

Políticas de inovação e de prestígio ao serviço público de qualidade demoram alguns anos até gerarem bons resultados. Um novo ciclo desenvolvimentista favorável ao país pode começar com um forte e novo INPI (quiçá até autarquia especial na forma do PLS 62/2017[3]), mas sem a abdicação da qualidade nas revoluções em prol de maior celeridade.


 

[1] Entre tantos autores merecem destaque: (i) a Professora Titular Silmara Chinellato (da USP, com um brilhante parecer aprovado junto ao IASP); (ii) Professor Doutor Milton Leão (da PUC-RS);  (iii) Professor Doutor Marcos Wachowicz (UFPR); Professor Mestre Eduardo Mercadante (acadêmico da London School of Economics); além do magnífico trabalho do Grupo de Estudos de Direito e Pobreza da FADUSP, liderado (vi) pelo Professor Titular Calixto Salomão Filho (USP), tantas vezes citado por diversos órgãos  julgadores do STF.

[2] Ofício do Ministério da Saúde nos autos da ADI 5529, peça 364 dos autos datada em 27.04.2021, firmado pelas Dra. Luciene Amaral (Especialista Sênior em Propriedade Intelectual Assessora Técnica) e Dra. Luciene Bonan (Coordenadora Geral de Inovação Tecnológica na Saúde): “Considerando uma análise somente na perspectiva de produtos e processos farmacêuticos, é evidente que os efeitos do parágrafo único do art.40 da LPI aumentam a carga econômica imposta para a sociedade através da extensão dos prazos das patentes, colocando em risco a sustentabilidade das políticas de assistência farmacêutica no país, dificulta a implementação efetiva da política nacional de medicamentos genéricos, e traz imprevisibilidade para a adoção de estratégias de desenvolvimento e produção do setor farmacêutico no país. Por fim, os impactos da não revogação do parágrafo único do Art.40 ainda subestimados, são da ordem de R$ 1.6 bilhões numa perspectiva conservadora de descontos e esmados para alguns medicamentos, podendo chegar a R$ 3.2 bilhões se esmarmos os descontos praticados quando o mercado se torna concorrencial. A permanência do dispositivo claramente prejudica o acesso e a sustentabilidade do SUS”.

[3] “O senador Agripino Maia apresentou projeto de lei (PLS 62/2017) para que o INPI tenha autonomia no uso de seus recursos financeiros. Pela proposta, que altera a Lei nº 5.648/1970, os valores arrecadados com a prestação de serviços serão reinvestidos no próprio Instituto, sem repasse para o Tesouro Nacional, como é feito atualmente. A arrecadação do INPI totalizou R$ 357 milhões no ano de 2016, superando em 8% a receita de 2015, quando atingiu R$ 330 milhões. Esse crescimento revela, de forma geral, maior procura pelos serviços de propriedade industrial. A justificativa do PL aponta que, apesar de o INPI arrecadar valores significativos, a verba é contingenciada e repassada ao Tesouro Nacional, o que dificulta a reestruturação do Instituto para lidar com o passivo de aproximadamente 243 mil pedidos de patentes pendentes de análise e 421 mil pedidos de marcas” dados disponíveis em https://www.gov.br/inpi/pt-br/assuntos/noticias/projeto-de-lei-busca-autonomia-financeira-do-inpi, acessado em 10.06.2021.


PEDRO MARCOS NUNES BARBOSA – Professor Doutor de Propriedade Intelectual da PUC-Rio. Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados.

RUY CAMILO PEREIRA – Professor Doutor do Departamento de Direito Comercial da USP. Sócio de Camilo Advogados


 

ISSN 2509-5692

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