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Supreme Court of the United States – Supap Kirtsaeng v. John Wiley & Sons, Inc. – Acórdão de 19/03/2013

por Karin Grau-Kuntz

Supap Kirtsaeng, um cidadão tailandês, mudou-se para os EUA em 1997 para estudar matemática. Seus estudos foram financiados com o apoio de uma bolsa de estudos do governo da Tailândia. Para melhorar sua renda – bolsas de estudo são geralmente apertadas – o Sr. Kirtsaeng colocou em prática o seguinte modelo de negócio: ele encomendava à sua família e a amigos na Tailândia a compra de livros acadêmicos em inglês, onde são vendidos nas livrarias a preços mais baixos do que aqueles exigidos no mercado norte-americano. Os livros eram então despachados por aqueles aos EUA, onde o Sr. Kirtsaeng os revendia através da plataforma eBay, reembolsando posteriormente seus familiares e amigos e guardando o lucro para si.

No outro pólo encontramos a editora de livros acadêmicos John Wiley & Son, que tem por costume acordar com seus autores diferentes tipos de licenças nacionais e estrangeiras, atribuindo geralmente à sua subsidiária na Ásia os direitos para publicar, imprimir e vender as edições em língua inglesa naquele continente.

Tomando conhecimento dos negócios realizados pelo Sr. Kirtsaeng, a editora foi a juízo alegando violação do Copyright Act, especificamente de seu direito de distribuição exclusiva previsto no §106 (3) e ainda a violação do §602, onde vem regulada a importação e exportação de bens protegidos.

O Sr. Kirtsaeng alegou em sua defesa que os livros importados haviam sido produzidos de forma legal e, ainda, adquiridos legitimamente, o que satisfaria os termos do §109 (a) do Copyright Act, que assim dispõe sobre as limitações de direitos exclusivos:

… the owner of a particular copy … lawfully made under this title, or any person authorized by such owner, is entitled, without the authority of the copyright owner, to sell or otherwise dispose of the possession of that copy.”

Em outras palavras, lançou mão em sua defesa da chamada first-sale doctrine , uma doutrina que tem por escopo limitar o poder de controle do titular dos direitos de propriedade intelectual após a primeira colocação autorizada do produto legítimo no mercado. Sob este prisma a importação e revenda dos livros em questão sem a permissão da editora seria legalmente possível.

Em suas essências as posições defendidas pelas partes envolveram duas questões centrais: a) a interpretação correta do trecho lawfully made under this title acima citado, isto é, se em sentido territorial ou não, e b) a posição sistêmica do §109 (a) em relação a outras disposições do Copyright Act.

No que toca a primeira questão, a John Wiley & Sons entendeu que a leitura do trecho indicado do §109 (a), especialmente no que toca as palavras under this title, deveria ser procedida sob uma perspectiva territorial, no sentido de que a first-sale doctrine só seria aplicada a exemplares produzidos legitimamente e colocados no mercado no âmbito do espaço geográfico onde o Copyright Act é lei, isto é, nos limites dos EUA.

O Sr. Kirtsaeng, a seu turno, ofereceu uma interpretação distinta do trecho normativo, compreendendo as palavras under this title como simple expressão da ideia de exemplares produzidos de forma legítima “nos termos” da Lei o que, por sua vez, na ausência de qualquer sentido territorial, permitiria a aplicação da doutrina em questão aos produtos produzidos no exterior.

O Tribunal de Recursos do Segundo Circuito acolheu o entendimento defendido pela editora.

O Sr. Kirtsaeng recorreu a Suprema Corte que, por sua vez, reformou a sentença do Tribunal inferior decidindo, por seis votos contra três, no sentido de que o tal trecho do §109 (a) Copyright Act não exprime qualquer limitação geográfica em relação aos efeitos da first-sale doctrine.[Enquanto o Tribunal de Recursos do Segundo Circuito entendeu como correta a leitura territorial do §109 (a) Copyright Act, no sentido de exemplar lawfully manufactured in the United States, o Tribunal de Recursos do Terceiro Circuito decidiu pela leitura do parágrafo no sentido de “lawfully made under Title 17 [Copyright Law]. Ainda, o Tribunal de Recursos do Nono Circuito defendeu outra posição, no sentido que o dispositivo se refere a exemplares lawfully manufactured on U.S. soil or if made abroad, having at least one authorized sale in the U.S.

Da leitura do voto vencedor é possível reconhecer uma estrutura argumentativa consistente. A notícia que se procederá a seguir vem apoiada nesta estrutura.

Análise textual

O processo de produção da norma decisória é iniciado pelo Relator com a análise textual do §109 (a), especialmente do trecho lawfully made under this title.

A palavra under, entendeu, significa simplesmente “de acordo com” [in accordance with], sem que seja possível retirar dela qualquer indicação territorial. Já a expressão lawfully made sugere um esforço para distinguir as cópias produzidas legalmente daquelas que não o são, enquanto o conjunto under this title estabelece o padrão de lawfull (ness) [legal(idade)].

Essa leitura simples não só faria sentido do ponto de vista linguístico mas, ainda, o seu resultado corresponderia ao objetivo tradicional perseguido pelo copyright, qual seja o de “coibir a pirataria”.

Pela negativa, e ainda no âmbito de uma análise textual, o Relator cuidou de demonstrar que a interpretação territorial pressupõe um raciocínio complexo em contraposição com a simplicidade da leitura não territorial do trecho em questão. Para que a leitura territorial fosse dotada de sentido, a palavra under deveria ser primeiramente compreendida como in conformance with the Copyright Act para, em um segundo momento, receber complementação interpretativa where the Copyright Act is applicable, o que, então, levaria à conclusão only in the United States.

Indo mais a fundo na análise da argumentação apresentada pela editora, o Relator dedicou atenção especial a palavra applicable, questionando onde, precisamente, o Copyright Act seria aplicável, lembrando que se é verdade que o diploma legal não protege instantaneamente um titular de direito americano contra atos violadores de seus direitos ocorridos no exterior, isto não implicará em poder afirmar que o Copyright Act seja inaplicável a exemplares produzidos no exterior.

A questão aqui – continuou argumentando – poderia ser colocada nos seguintes termos: se uma lei qualquer determina uma taxa a ser aplicada aos rododendros produzidos no Nepal então, sob a perspectiva linguística, pode-se afirmar que a taxa é aplicada a todos os rododendros nepaleses. No mesmo sentido e possível afirmar que o American Copyright Act é aplicável a todos os exemplares “pirateados”, incluindo aqueles produzidos no exterior. O próprio Copyright Act indica nesse sentido, por exemplo no §602(a)(2), onde vem disposto que “cópias” [exemplares] contrafeitas produzidas no exterior são subject to the Act.

Indo então buscar argumentos no momento de produção legislativa, o Relator comparou o texto do §109 (a) atual com a sua redação predecessora, onde era feita referência aos possuidores de um exemplar lawfully made, enquanto a presente versão menciona os proprietários de um exemplar lawfully made.[footnote]Assim a letra anterior do dispositivo: Nothing in this Act shall be deemed to forbid, prevent, or restrict the transfer of any copy of a copyrighted work the possession of which has been lawfully obtained.[/footnote]

A alteração legal, que ocorreu nos anos 70, deveu-se especialmente a uma questão que envolvia os proprietários de cinemas: os filmes eram objetos de arrendamento mercantil (leasing) e, de acordo com aquela redação, poder-se-ia entender que a first-sale doctrine poderia ser aplicada em relação a eles.

Se com a alteração do texto legal a questão restou esclarecida, por outro lado da análise do processo de reforma do dispositivo não foi possível retirar qualquer indício no sentido de que uma leitura territorial seria adequada ou até mesmo possível.

Lembrando por fim que não teria sentido falar em exemplar produzido ilegalmente under this title, a análise textual e de história legislativa foi encerrada com a conclusão de que o trecho em questão deveria ser compreendido como uma expressão que simplesmente reporta, em termos gerais, a cópia produzida legalmente.

Contexto sistêmico do §109 (a) Copyright Act

Determinada a forma correta de leitura do §109 (a) Copyright Act, o Relator passou então a um segundo patamar de análise, quando teve em conta o contexto sistêmico do dispositivo.

O Relator mencionou eventos significativos que indicariam contra a possibilidade de uma leitura territorial do dispositivo. Um argumento forte neste sentido encontrou na supressão da “cláusula de manufatura”, que limitava a importação de exemplares produzidos fora dos Estados Unidos. [Nota: Antigo § 601. Interessante é o Relatório referente ao Painel sobre a cláusula de manufatura, procedido no âmbito da solução de controvérsias do antigo GATT 1947. O documento está a disposição no endereço http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/83copyrt.pdf. A Cláusula é assim definida nesse documento: 4. The Manufacturing Clause – Section 601 of Title 17 of the United States Code, as extended by Public Law 97-215 of 13 July 1982 – prohibits, with certain exceptions, the importation into or public distribution in the United States of a copyrighted work consisting preponderantly of non-dramatic literary material in the English language, the author of which is a United States domiciliary, unless the portions consisting of such material have been manufactured in the United States or Canada.]

Uma leitura territorial do §109(a), o Relator destacou, teria por consequência os mesmos efeitos que se procurou superar com a supressão da “cláusula de manufatura”, isto é, que o titular dos direitos de autor americano tenha poderes de controle permanente sobre a cadeia de distribuição referente aos exemplares legítimos produzido no exterior, enquanto não os tem em relação àqueles exemplares produzidos internamente.

A seguir o Relator enfrentou a questão da relação entre o §109 (a) e §602 do Copyright Act.

Segundo o voto condutor, o §109 (a) refere-se a first-sale doctrine, enquanto o § 602 proíbe a importação de cópias. No voto vencido a juíza Ginsburg defendeu que uma leitura sistêmica das disposições só poderia indicar no sentido de uma leitura territorial do §109 (a) pois, caso contrário, o §602 pouco teria o que proibir.

O Relator enfrentou o forte argumento do voto vencido procurando, por uma, minar o entendimento de que a aplicação não territorial da first-sale doctrine roubaria do § 602 sua razão de ser. Nesse sentido ofereceu hipóteses em que, apesar da leitura não territorial do §109 (a), a proibição de importação faria sentido, como, por exemplo, quando o editor estrangeiro, operando como licenciado do titular de direitos de autor americano, edita exemplares no exterior – portanto exemplares manufaturados legitimamente – mas, antes de receber a autorização do titular para a primeira venda intenta enviá-los aos EUA.

O Relator reconheceu que a forma proposta de leitura do § 602 não lhe empresta a mesma importância sistemática que recebeu no voto vencido. No entanto, apresentou um segundo argumento no afã de fazer frente à defesa da leitura territorial do § 109 (a), o qual leva em consideração as discussões que envolveram as produções legislativas de ambos os dipositvos, e avaliou como mais relevantes as razões que envolveram a produção do §109 (a).

Este segundo argumento seria mais relevante – inclusive em face de serem as discussões do §109 (a) posteriores – porque, neste caso, a importância da first-sale doctrine foi destacada sem qualquer indicação de uma intenção de limitação territorial de seus efeitos.

Aplicação de regra interpretativa do commom law

Lembrando que a first-sale doctrine é produto do common law e que somente posteriormente foi introduzida como norma escrita, o Relator, indicando que a construção jurisprudencial não previa limitações territoriais, reportou à regra interpretativa que sustenta a presunção de que o Congresso teria mantido a substância do commom law.[Nota: Samantar v Yousuf, 130 S. Ct. 2.278 (2010).]

No caminho da produção da norma decisória a aplicação desta regra interpretativa despontou como mais um argumento a favor da interpretação proposta pelo Sr. Kirtsaeng.

Argumentação concorrencial

O processo decisório ainda envolveu considerações vinculadas a preocupação com a defesa da concorrência.

Nas palavras da John Wiley & Sons, se os efeitos da first-sale doctrine não fossem limitados territorialmente, então roubar-se-ia do titular do copyright a possibilidade de dividir e controlar os mercados a nível internacional.

Contra este argumento, em relação ao qual o Relator não viu fundamentos em direito de autor (vide abaixo), o voto vencedor manifestou o objetivo perseguido pela first-sale doctrine (independentemente da discussão sobre o âmbito territorial de seus efeitos), qual seja o de evitar o controle de mercados. Essa preocupação, ainda ressaltou, encontra respaldo na ratio do Direito Antitruste.

Finalidade do copyright

De acordo com a Constituição Americana, lembrou o Relator, o Congresso tem o poder de assegurar aos autores, por tempo limitado, o direito exclusivo em relação as suas obras.[footnote]Constituição dos Estados Unidos da América, Art. I, §8, cl. 8.[/footnote]Ainda, o material legislativo apontou no sentido de compreensão do copyright como um direito de exclusão da concorrência, como monopólio limitado para assegurar a produção dos exemplares que incorporam a expressão criativa.

Tendo isto em vista, o Relator destacou que em lugar algum a Constituição sugere que este direito exclusivo e limitado garantido inclua, além da exclusão da concorrência mencionada, por sua vez limitada pela first-sale doctrine (vide item 5 supra), prerrogativas de divisão de mercados. Muito menos, a garantia de um direito de determinação de preços de venda diferenciados para um único exemplar, voltado ao incremento do lucro. Seja pela adoção de uma perspectiva histórico-legislativa ou de consideração de precedentes, nada na Constituição indicaria neste sentido.

Para a maioria dos juízes que compunham a Corte, o direito de dividir mercados reclamado por John Wiley & Sons, direito que justificaria a leitura territorial do §109 (a), não seria dotado de qualquer respaldo legal.

A argumentação política

Reproduzindo os argumentos dos inúmeros amici curiae que assistiram no processo, o voto relaciona ainda uma série de possíveis consequências indesejáveis vinculadas a uma leitura territorial do §109 (a).

Por exemplo, uma interpretação territorial da first-sale doctrine teria por consequência que as bibliotecas seriam forçadas a obterem permissão antes de colocar circulação os muitos livros de suas coleções impressos no exterior. Tal fato, lê-se no voto, iria de encontro com o fim constitucional do copyright, qual seja o de promover the progress of science and useful arts.[Nota: Constituição dos Estados Unidos da América, Art. I, §8, cl. 8.]

Chegando ao fim do processo de produção da norma decisória, o Relator fez seu o argumento apresentado pelo Advogado da União em sustentação oral, e defendeu que as possíveis consequências econômicas vinculadas à leitura proposta pela John Wiley & Sons seriam piores do que aquelas vinculadas à leitura proposta pelo Sr. Kirtsaeng. Assim, in light of the ever-growing importance of foreign trade to America, seis dos nove juízes que compõe a Suprema Corte americana decidiram dar ganho de causa ao sr. Kirtsaeng.


Comentário

Os juízes produzem, nos limites da “moldura” fornecida pelo texto legal previamente definido pelo legislador, a norma a ser aplicada ao caso que pede solução. Em outras palavras, considerando a realidade e os fatos da situação que são chamados a decidir eles constroem, a partir da moldura fornecida pela lei (texto normativo), uma norma geral que, a seguir, aplicam a situação em julgamento chegando, então, à norma decisória (particular).[Nota: Vide GRAU, Eros Roberto, Por que tenho medo dos juízes, 6ª edição refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito.São Paulo: Malheiros Editores,2013.] Ou seja, agem ativamente, sem se limitarem ao papel de meras bocas da Lei.

Assim o fazendo, formulam juízos de legalidade (e não de oportunidade, o que pressuporia uma valoração subjetiva, e não aquela procedida no escopo fornecido pelo texto normativo) – quer dizer, produzem a norma decisória – e justificam sua produção – insisto, atados ao(s) texto(s) normativo, à realidade e aos fatos.[Nota: Ainda GRAU, ob.cit.]

O trecho lawfully made under this title, que do ponto de vista linguístico e na conclusão do voto vencedor não dá espaço para ser compreendido no sentido de apontar a qualquer limitação territorial, torna-se obscuro quando considerado em seu contexto sistêmico, i.e. frente a sua relação substantiva com outros textos normativos com mesmo grau de hierarquia.

Se por um lado a cláusula de manufatura foi suprimida do corpo da Lei, o que indicaria sob a perspectiva sistêmica pela interpretação não territorial do trecho em questão, por outro a letra do § 602 Copyright Act parece indicar na direção oposta.

Postado assim diante de uma encruzilhada, o Relator do voto vencedor encontrou o melhor caminho a tomar ao considerar quais seriam os direitos garantidos pelo copyright ao titular do direito. Nesse sentido, e sob uma perspectiva subjetiva (i.e. a do titular do direito), perguntou o que o instituto jurídico almeja: Combater as cópias contrafeitas- emprego aqui o termo “cópia” contrafeita posto o copyright corresponder a um “direito de cópia – ou dar ao titular o direito de dividir mercado?

Ao concluir pela primeira hipótese, o caminho mais adequado a seguir no processo de produção da norma decisória já estava indicado. Uma vez que a querela versou sobre a importação de exemplares legítimos, aplicar o copyright a este caso significaria ir além do cumprimento daquele objetivo. De outro lado, as considerações concorrenciais, que destacaram as finalidades do direito antitruste, apoiaram o mesmo entendimento, ao inviabilizarem a hipótese de admitir ao titular do copyright um direito de divisão de mercados.

Destaco nesta altura que, ao contrário do copyright americano, não é possível encontrar no combate a cópias contrafeitas a finalidade do direito de autor brasileiro.

Lembro, nesse sentido, que o direito de autor brasileiro, diferentemente do copyright americano, não garante “direito de cópia”, direito vinculado a proteção econômica dos editores que, a seu turno, justifica poder-se falar em combate a cópias contrafeitas; pelo contrário, o direito de autor brasileiro é centrado na pessoa do autor.

Em comum com o copyright americano temos o fato do direito de autor brasileiro também não garantir ao seu titular um direito de dividir mercados. E se temos em vista sua estrutura individualista, centrada na pessoa do autor, uma alegação deste tipo faria ainda menos sentido do que quando procedida em consideração ao sistema do copyright americano.

Voltando a refletir sobre o voto vencedor percebe-se na estrutura da argumentação desenvolvida já completa a produção da norma decisória. Interessante é notar que as etapas de sua produção até o momento foram formuladas como juízos de legalidade.

Porém, ao considerar a argumentação política apresentada no último tópico do processo de produção da norma decisória, nota-se que o Relator, ao enfrentar as previsões econômicas apresentados por ambas as partes – incluindo as dos amici curiae – decidiu levando em conta os possíveis efeitos negativos de um ou outro (possível) cenário descrito. Em outras palavras, adotando linha semelhante àquela do provérbio “dos males o menor”.

Nesse momento, porque não mais vinculado a um texto legal, mas antes a máxima “dos males o menor”, o Relator, deixando o âmbito dos juízos de legalidade, formulou, ainda durante o processo de produção da norma decisória, um juízo de oportunidade, ou seja, manifestou seu juízo subjetivo. Se seu juízo foi acompanhando por cinco outros juízes, nada garante que frente a uma outra composição da Corte o resultado seria o mesmo. Quando se trata de juízos de oportunidade a situação é de verdadeira “loteria”, destacando que emprego aqui a palavra de uma forma muito própria.

Em miúdos, porque envolve a vinculação ao texto normativo e a consideração da realidade e dos fatos relacionados ao caso que pede solução, o processo de produção da norma decisória poderá resultar em diversos resultados, todos corretos do ponto de vista interpretativo.[footnote]Vide Grau, ob.cit., pág. 61 ss.[/footnote] Porém, apesar de suas possíveis variações, estes resultados apresentarão semelhanças genéticas entre si, posto terem sido produzidos a partir de uma mesma “moldura” fixa, isto é do texto legal.

Aqui a expressão daquilo que denominamos segurança jurídica, ou seja, a segurança de encontrarmos as semelhanças genéticas no leque dos diversos resultados corretos possíveis. Por outro lado, normas decisórias produzidas a partir da “moldura” de valores subjetivos não são capazes de oferecer esta segurança – e nesse sentido empreguei a expressão “loteria” – pois, aproveitando a tendência de lançar mão de provérbios acima inaugurada, “cada cabeça uma sentença”.

Isto posto, e retomando o fato do Relator, que vinha conduzindo o processo de produção da norma decisória em atenção aos textos legais, ter apelado no fim do voto a seu convencimento subjetivo (juízo de oportunidade), é legítima a pergunta: Porque agiu assim?

A razão é simples: os cenários apresentados pelas partes, que descreviam possíveis consequências para este ou aquele modelo de negócio, caso a Suprema Corte entendesse pela leitura territorial ou não territorial do §109 do Copyright Act, não são argumentos que se encontram amparados por texto legal e, nesse sentido, uma formulação como juízo de legalidade é impossível.


Karin Grau-Kuntz é doutora e mestre em Direito pela Ludwig-Maximillians-Universität (LMU), Würtenberger Rechtsanwälte, Munique, Alemanha.


Foto: Karin Grau-Kuntz


ISSN 2509-5692</b

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